Uirá Lourenço (*) -
O ano termina sem mudanças no cenário de imobilidade. Passados dois anos do novo governo, questões estruturantes continuam na promessa. A integração do transporte coletivo por meio de bilhete único continua sem prazo para virar realidade.
E a prometida expansão do metrô também não avançou. Melhorias no transporte público são urgentes, de forma a diminuir o uso do carro e evitar o colapso total das vias.
Um estudo prevê o apocalipse viário em 2020 e os congestionamentos diários em todo o Distrito Federal indicam que a cidade não suporta a frota motorizada crescente, rumo à marca de 2 milhões. Em Águas Claras, os congestionamentos se iniciam nas garagens dos prédios residenciais.
No entanto, em vez de investir nos transportes coletivos e saudáveis (não motorizados), como reza a cartilha da mobilidade moderna, o atual governo retomou neste ano obras para construir túneis e viadutos na região norte.
Além da devastação, as obras milionárias na Saída Norte levarão ainda mais carros para o centro de Brasília e não resolverão o tormento de quem usa ônibus todos os dias: transportados em veículos superlotados, muitas vezes sem abrigo no ponto e sem calçadas nem travessia segura ao desembarcarem.
E outros projetos caros semelhantes, com foco na fluidez automotiva, aguardam na fila.
Os dados sobre acidentes e mortes no trânsito também indicam o retrocesso. Reportagem do Correio Braziliense (16/11) mostrou que as mortes aumentaram neste ano.
Em média, ocorrem 32 mortes por mês no trânsito do DF e em maio, o mês mais violento, houve 48 mortes. Números vergonhosos que exigem um programa sério focado na segurança e não na mera fluidez automotiva. Mas o governo não tem um programa de redução do limite de velocidade nas vias, uma ação simples e adotada em cidades modernas que buscam a redução do massacre nas vias.
Não bastasse a ausência de programa para redução da velocidade, os órgãos de trânsito não atendem às solicitações de melhoria na segurança. Uma ampla análise ilustrada da ciclovia na W4 Norte, onde há muitas escolas e faculdades, revelou problemas sérios e indicou soluções.
Realizado voluntariamente e protocolado em vários órgãos do GDF em junho de 2015, o trabalho foi ignorado e persistem os inúmeros obstáculos no caminho. E no fim de 2015 foi protocolada solicitação de melhorias aos pedestres na W3 Norte.
Com fotos e vídeos que revelam a grave insegurança na altura da 513/713 Norte, solicitou-se ao Detran a instalação de faixa e semáforo. Passado um ano sem qualquer providência, um pedestre foi atropelado e morto no exato local da solicitação.
Os riscos aos pedestres são altos em razão do excesso da velocidade e da imprudência. Além da perda de tempo, os congestionamentos causam impaciência e estresse.
Apesar da fama de respeito ao pedestre, atropelamentos na faixa de travessia ainda ocorrem, como o que matou uma criança de 6 anos neste mês, no Riacho Fundo. Perigo na travessia e também perigo ao caminhar por calçadas esburacadas e invadidas por carros. Os caminhos são inacessíveis mesmo na Esplanada dos Ministérios e em setores movimentados como o Setor Comercial e o Setor de Rádio e TV.
Neste final de ano, um flagrante da inacessibilidade na área central de Brasília: um pedestre de muletas cai ao tentar passar pela calçada sem rampa e com grande desnível.
Há muitos anos, o entorno da rodoviária do Plano Piloto está abandonado, com calçadas destruídas e sem acessibilidade. Passados diferentes governos, permanece a situação vexatória aos moradores e turistas. Um cadeirante ou cego é incapaz de percorrer a curta distância entre a rodoviária e o Museu da República ou a Biblioteca Nacional.
Apesar da realização de mais um megaevento na capital federal em 2016 (dez jogos das Olimpíadas foram realizados no estádio Mané Garrincha), não houve qualquer investimento em mobilidade urbana. A exemplo do que ocorreu na Copa do Mundo, as Olimpíadas não deixaram qualquer legado positivo.
Pelo contrário, o “bicicletário” do estádio se deteriorou por completo e, nos dias de jogo, se permitiu uma verdadeira farra motorizada, com carros estacionados em todos os cantos livres, inclusive calçadas, canteiros e ciclovias.
Para fechar o ano, a Câmara Legislativa resolveu dar sua contribuição na imobilidade e aprovou lei que libera as faixas de ônibus para carros e motos na maior parte do dia. Uma medida infeliz, que incentiva o uso do carro no dia a dia e prejudica os usuários de ônibus.
Os deputados poderiam se inspirar em bons exemplos e propor medidas inovadoras. Em cidades europeias, a moda é pagar a quem usa bicicleta para ir ao trabalho, restringir o uso do carro na área central e converter estacionamentos em parques e áreas de lazer.
Na capital federal se penaliza o ciclista com caminhos descontínuos, longos e inseguros. Em vez de restrição ao uso do carro, mantém-se o modelo ultrapassado de construir mais vias, túneis e viadutos, que aumentam a poluição e os congestionamentos.
E no dia 30/12 o Governo do Distrito Federal anunciou o segundo aumento da tarifa do transporte coletivo em dois anos de governo: a passagem de ônibus e de metrô passa de quatro para cinco reais.
Além da desintegração e do desconforto diário, o trabalhador ainda terá que pagar, no mínimo, R$ 10 por dia no trajeto casa-trabalho. Eis mais um bom motivo para afugentar as pessoas do transporte coletivo.
Vale lembrar que, em novembro de 2016, o secretário de mobilidade afirmou, ao apresentar as ações do governo, que o maior desafio do governo era aumentar a participação do transporte coletivo (de apenas 32% no Distrito Federal, bem inferior aos 46% do Rio de Janeiro e de Curitiba) e prometeu priorizar o transporte coletivo e não motorizado de forma integrada. No entanto, o aumento anunciado de 25% no preço das passagens deve diminuir ainda mais o uso de ônibus e metrô.
Apesar da insistente propaganda governamental de que Brasília está no rumo certo, qualquer leigo percebe que seguimos no rumo da imobilidade.
Além de mudanças de infraestrutura e tecnologia, são urgentes mudanças culturais: as classes abastadas precisam se dar conta de que o transporte coletivo é para ser usado por todos, numa estratégia de diminuir o caos e a poluição.
Como diria Peñalosa, que promoveu melhorias em Bogotá: a cidade avançada não é aquela em que os pobres andam de carro e, sim, aquela em que o rico usa transporte coletivo.
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(*) Uirá Lourenço é servidor público, ambientalista e colaborador do Mobilize Brasil. Versão ampliada do artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, de 26/12/2016.