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Superlotação e guerra entre facções são as causas da tragédia
Comissão pede força-tarefa para investigar massacre em Manaus

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados solicitará à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Amazonas e à Procuradoria-Geral da República a criação de uma força-tarefa conjunta do Ministério Público para investigar as circunstâncias em que ocorreram as 60 mortes de presos nos primeiros dias de 2017 em Manaus (AM). A informação foi divulgada nesta terça-feira (3/1) pelo presidente da Comissão, deputado Padre João (PT-MG).

A rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), que durou mais de 17 horas, resultou na morte de 56 detentos. A escalada da violência em Manaus também provocou a morte de outros quatro presidiários, desta vez na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP). Trata-se do segundo maior massacre da história do sistema prisional brasileiro, atrás apenas do ocorrido no Carandiru, em 1992, com 111 mortos.

Padre João informou que, tão logo sejam retomados os trabalhos parlamentares na Câmara, a comissão analisará requerimento de sua autoria para a realização de audiência pública em Brasília sobre o massacre de janeiro e alternativas para o sistema penitenciário nacional.

Serão convidados para o debate representantes do Ministério da Justiça, do Governo do Amazonas, do Ministério Público, da Pastoral Carcerária e de entidades participantes da Agenda Nacional pelo Desencarceramento.

Eis a íntegra da nota da Comissão divulgada nesta terça (3/1):

“Manaus: Crônica de uma tragédia anunciada

Em Manaus, o ano novo de 2017 foi aberto com a macabra contabilidade das pessoas mortas em duas unidades do sistema penitenciário, em eventos apresentados pelas autoridades como rebeliões com tentativas de fugas e acerto de contas entre facções criminosas que disputam o comando dessas unidades.

Ao menos 56 pessoas foram mortas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). Outros quatro presidiários foram mortos no final da tarde na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP), também na capital.

O sistema penitenciário do Amazonas tem sido objeto de intensa atividade de fiscalização dos órgãos de controle, que denunciam há anos a incapacidade do Estado de apresentar uma política penitenciária digna para a população encarcerada. Diversas entidades se debruçaram sobre alternativas para a crise do sistema penitenciário nos estados, ignoradas pelas autoridades.

Entre as iniciativas mais contundentes, desde 2013 um conjunto de entidades da sociedade civil reclamam o cumprimento de uma Agenda Nacional de Desencarceramento, como alternativa à falência de um sistema superlotado indevidamente e improdutivo do ponto de vista de seus objetivos principais, a ressocialização do preso e da presa para a prevenção e combate à criminalidade.

No Amazonas, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) do Ministério da Justiça, 58% dos presos e presas são provisórios (as), o que dá a dimensão do problema. Enquanto perdurar esse sistema penal que encarcera a torto e direito, como única alternativa para a criminalização dos mais pobres, aumentar vagas simplesmente - a alternativa hoje apresentada pelo Estado do Amazonas e o governo federal - é enxugar gelo e manter um sistema falido e ineficaz.

A Agenda Nacional de Desencarceramento vai no caminho oposto, ao propor a suspensão de qualquer investimento em construção de novas unidades prisionais, a restrição máxima das prisões cautelares, redução de penas e descriminalização de condutas, em especial aquelas relacionadas à política de drogas, e a ampliação das garantias da execução penal e abertura do cárcere para a sociedade.

Ela ainda se manifesta veementemente contra a privatização do sistema prisional e pelo combate à tortura e desmilitarização das polícias e da gestão pública. Trata-se, na verdade, de uma moratória no crescimento inercial de um modelo de encarceramento que, com suas mazelas, levou ao domínio das unidades por facções criminosas que prometem aos presos e presas, como privilégios do crime, os direitos legais que lhes são devidos pelo Estado infrator e incapaz.

O Governo Federal, em particular depois das mudanças feitas recentemente por Medida Provisória no Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), em dezembro de 2016, abre mão de seu papel de induzir um novo modelo penitenciário aos Estados.

De uma canetada, o Presidente Temer diminuiu de 3% para 2,1% da arrecadação da loteria os recursos do FUNPEN, e destinou até 30% do seu superávit para vitaminar ações espetaculosas do Fundo Nacional de Segurança Pública. Sempre com objetivos midiáticos, liquidou os recursos do FUNPEN em caixa no final do ano para rateio entre os estados, livrando-se da responsabilidade de orientar um outro modelo com o uso dos recursos federais.

O Ministério da Justiça trombeteia que o rateio permitirá solucionar o problema da superlotação em todos os estados, meta absolutamente irreal mesmo destinando-se todos os recursos federais à expansão de vagas desse sistema em crise. Se a urgência é reverter a lógica do encarceramento e reduzir a população prisional sem ampliar o sistema, que estes recursos retirados do FUNPEN sejam drenados para políticas sociais, especialmente nas áreas de moradia, educação, saúde, trabalho e cultura, além de políticas de apoio aos/às egressos/as.

A baixa efetividade da Lei de Execução Penal, sobretudo quanto ao seu objetivo de “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”, aliada à morosidade (e ao apenamento inadequado e desproporcional) dos julgamentos de ilícitos de menor relevância, gera um enorme contingente de presos temporários (ou que não representam ameaça maior à sociedade) que são colocados no mesmo espaço de condenados por graves crimes e a consequência de três décadas desta situação recorrente é a expansão das organizações criminosas.

Para este fato concorreu de maneira explícita e inegável a leniência dos sucessivos governos tucanos no estado de São Paulo, que jamais demonstraram vontade política para combateram com rigor o crescimento de grupos criminosos que se organizaram dentro dos presídios paulistas e a partir destes proliferaram suas ações por todo o País.

Prova da improvisação e precariedade dessa política é a reativação anunciada ontem em Manaus da Cadeia Pública Des. Raimundo Vidal Pessoa (CPDVP), que havia sido fechada em outubro de 2016 após anos de cobranças do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em pleno centro da cidade, as precárias instalações dessa cadeia pública inaugurada em 1907, que seria destinada a ser um espaço cultural, receberão agora nada menos que 130 presos apresentados pelo Governo do Estado como "ligados a uma facção criminosa de São Paulo" e transferidos do Compaj.

Ademais, registramos também o nosso protesto contra a articulação de alguns setores políticos e econômicos que pretendem transformar o sistema carcerário num grande negócio, alegando como razão para isso a suposta “eficiência da iniciativa privada”, que se mostrou falaciosa nesse episódio de Manaus, onde o presídio que foi palco do massacre é administrado por uma empresa privada.

Assim, esta Comissão de Direitos Humanos e Minorias representará ao CNJ e ao CNDH para a realização de diligências comuns em caráter urgente a todas as unidades do sistema penitenciário da capital amazonense, bem como solicitará ao Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas e à Defensoria Pública daquele Estado a realização de um mutirão de verificação da situação processual dos presos e presas nas unidades penitenciárias em Manaus visando enfrentar de forma legal o dilema da superpopulação encarcerada.

Solicitará ainda a manutenção da interdição, para recebimento de presos, da Cadeia Pública Des. Raimundo Vidal Pessoa, e a manutenção de sua destinação para uso como equipamento cultural do Estado.

Solicitará à Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Amazonas e à Procuradoria Geral da República a criação de uma força-tarefa conjunta do Ministério Público para investigar as circunstâncias em que se deram tantas mortes, neste que já é o segundo maior massacre de presos da história penitenciária nacional, atrás apenas do Massacre do Carandiru, de triste memória pela impunidade dos agentes públicos envolvidos.

Defendemos que o Estado brasileiro seja responsabilizado e que repare as mortes e violências por meio de indenização às famílias das pessoas presas mortas e feridas, assim como às pessoas feitas reféns e demais funcionários agredidos.

Tão logo sejam retomados os trabalhos parlamentares na Câmara dos Deputados, a Comissão analisará requerimento desta Presidência para a realização de audiência pública em Brasília com a participação do Ministério da Justiça, do Governo do Amazonas, da Pastoral Carcerária e entidades participantes da Agenda Nacional pelo Desencarceramento e do Ministério Público Estadual e Federal para debate sobre as causas, circunstâncias e responsabilidades pelo massacre de janeiro e alternativas para o sistema penitenciário.

Brasília, 03 de janeiro de 2017.

Deputado Padre João - Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados”.

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