"A vida é de quem se atreve a viver".


Prof. Enio Pontes é Coordenador Estadual da Auditoria Cidadã - Ceará
O ciclo vicioso da dívida pública - I

Enio Pontes (*) -

Do ponto de vista conceitual, a dívida pública brasileira é assim designada pela Secretaria do Tesouro Nacional: "É a dívida contraída pelo Tesouro Nacional para financiar o déficit orçamentário do governo federal, nele incluído o refinanciamento da própria dívida, bem como para realizar operações com finalidades específicas definidas em lei".

Trocando em miúdos a linguagem técnica, a contração da dívida pública tem a prerrogativa primeira de complementar os recursos da União, Estados e Municípios, visando financiar as ações destinadas ao bem estar social, quais sejam, investimentos na saúde, educação, segurança pública etc.

Todavia, ao longo do tempo, essa prerrogativa de financiar as atividades fins do Estado perdeu o sentido, sendo hoje, a dívida pública, um verdadeiro sistema que alimenta o mercado financeiro em detrimento da sociedade.

Mas a quem o governo deve? Para entidades do setor público e privado. Os maiores credores da dívida pública são os bancos brasileiros, dentre eles os
públicos e os privados, mas sobretudo os privados.

Há ainda os investidores individuais que aplicam recursos nos mais diversos fundos de investimentos existentes, os fundos de pensão, além de instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Essa breve explicação serve para jogar um pouco de luz num tema que, ao mesmo tempo é tão falado, criticado, noticiado, mas que, muitas das vezes, é do conhecimento apenas dos economistas.

Partindo do próprio conceito da dívida pública oferecido pelo Tesouro Nacional, os recursos contraídos pela União, Estados e Municípios, que deveriam, em tese, complementar o financiamento social, ao contrário, acabaram por desenvolver um ciclo vicioso de pagamentos de juros elevadíssimos que apenas beneficia os credores da dívida pública.

Outro aspecto muito grave é a contrapartida dessa dívida. Quando financiamos um automóvel e contraímos um empréstimo, é porque precisamos usufruir do bem para o nosso deslocamento. A dívida, portanto, teve uma finalidade. No caso da dívida pública brasileira não há contrapartida.

O gigantesco passivo que aproxima-se de R$ 1 trilhão não produz efetivamente nada de impacto social, longe disso, a sociedade brasileira arca tão única e exclusivamente com o ônus do pagamento exorbitante de juros para permitir que a roda gigante da dívida pública continue girando e enriquecendo os bancos.

Por tudo que comentei, a meu juízo, é inadiável um debate franco, direto e acima de tudo questionador sobre os caminhos que levaram o País a cair nessa armadilha chamada dívida pública.

Um dos caminhos possíveis seria uma auditoria, instrumento que está consagrado na Constituição Federal de 1988 e que nunca foi posto em prática.

Um dos exemplos exitosos de aplicação eficaz do mecanismo da auditoria da dívida é o que ocorreu no Equador. O país conseguiu reduzir em aproximadamente 70% o estoque da dívida, permitindo o investimento em setores sociais.

Ademais, uma auditoria da dívida poderá ajudar a compreender como o Brasil chegou a essa condição de refém do sistema financeiro e possivelmente descobrir muitas irregularidades, algumas já apontadas por pesquisadores e especialistas em setor público a exemplo da contabilização dos juros como amortização.

Enfim, é preciso rever a atual política monetária que irriga o sistema da dívida pública com juros absurdos. Também é urgente criticar os parâmetros da política fiscal que penaliza a população que paga seus impostos para o governo fazer déficit primário com o único objetivo de pagar o serviço da dívida em detrimento das contrapartidas sociais.

Será que essa dívida é de fato nossa?
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(*) O professor Enio Pontes é Secretário-Geral da ADUFC-Sindicato.
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