Anna Koretta (*)
Daqui dos recônditos de meu confinamento na Itália acompanho a cena brasileira com inquietação e palpitações no peito. Estão armando uma cilada para a esquerda. PT, PSol, PCO não deviam trair o povo que dizem defender. A quarentena precisa ser respeitada.
Boulos e seus sem tetos nas ruas de São Paulo, cariocas rodeados por famélicos favelados, mineiros, paranaenses, gaúchos, torcidas organizadas de futebol e quem mais, expostos à sanha de ímpios que têm Trump e Bolsonaro por trás. Reparem: Bannon já se intrometendo no Itamaraty!
Conversa fiada que o chefão rompeu com ele. A quem querem convencer? Para as boiadas dormirem tranquilas, essa. Tudo tramado de modo a aparentar ruptura. Na verdade o marqueteiro da maquiavelicamente brilhante campanha do patrão está é com outros encargos noutras plagas, a serviço de seus exclusos interesses, que não beneficiam a população da sua própria pátria – que dirá a dos países de que suga suas riquezas naturais.
Vem mais mortandade para os frágeis com a quebra do isolamento nesse grande país chamado Brasil, que é o mesmo de uma parte dos meus antepassados e meu também. A esquerda que aderiu aos protestos de amanhã está cega. Não vê que obedece exatamente ao que Bolsonaro prega e que sua vassalagem usurpadora do nosso verde-amarelo apoia, fanaticamente.
Pensa a esquerda revoltada que está em franca desobediência civil quando caiu foi de quatro na arapuca, ao aderir e engrossar as fileiras dos cultuadores da Estrela da Morte. A horda não dá ponto sem nó.
Repensa, Brasil. Ligue os fatos todos. Black Blocs de volta à cena, com policiais violentos sempre infiltrados – e a acusação da barbárie resultante recaindo sobre os que se manifestam pacífica e democraticamente. Sempre assim onde aparecem... por quê?? Reflitam.
E agora, todos mascarados! Eles, os anarquistas uniformizados de trajes pretos e os militantes inocentes como a flor, também. Que baile de máscaras interessante promete ser esse! Mirem-se menos narcísicamente no espelho das ocorrências atuais pelas ruas do Império que tanto lhes impressiona, ó militância pueril.
Anonymous também de volta e anunciando com alarde que vai publicar sabe-se lá o quê e que não cumpre – e neste momento, em que Trump "corta relações" com Bolsonaro no Twitter? Curioso gesto, dubiamente sintomático, envolvendo dois aliados presidentes de extrema direita, justo nesta hora de racha na esquerda quanto aos protestos, por quê?
Os direitistas extremados todos estão se divertindo tanto em saber que, mais uma vez, a tática da fanfarrona enganação caiu com a sutileza de uma pluma no meio dos inimigos, os atiçando a fazer o que seus estrategistas planejam. A guerra híbrida, gente! Lembrem-se de que esse engenho existe e que não é ficção?
Mais: presidente e vice ameaçam em seus discursos os dispostos a participar dos protestos. A polícia já mobilizada pra "baixar o pau". E por quê a insistência dos apelos do cientista político Luís Eduardo Soares? O que mais ele sabe, ou pressente, que lideranças e jovens militâncias não desconfiam?
Vocês não podem crer que vão enfrentar militares, meganhas e milicianos com estilingues, bodoques e sebo nas canelas-para-quê-te-quero. Prudência, gente jovem. Não ajudem a sinistrose a sufocar ainda mais o nosso povo desamparado, nossos amados nem ainda assim tão velhos e, pior, nossos anciãos.
Meu coração está inquieto e me dando toques. Ouçam as pancadas que ele anuncia dos perigos obscuros nos desvãos das avenidas e ruas do país. O que o Brasil precisa agora é de pressionar as instituições para que o defendam com fibra, garra e presteza. O Congresso, o Supremo, a Procuradoria estão repletos de provas que incriminam a quadrilha da famiglia no poder.
Os brasileiros já batalharam muito nas ruas. Há oito anos dão mostras explícitas, às autoridades, de sua consciência política e social, de sua coragem e dignidade, de que não fogem à luta em defesa de sua soberania, de seus muitos bens culturais, do fortalecimento de suas muitas conquistas em meio a tantas poças de suor, sangue e lágrimas.
Dirijam suas forças à cobrança a seus representantes nas instituições do Estado, ô patrícios companheiros! Organizem-se melhor em estratégias e táticas, em vez de se exporem, adolescentemente, arrogantemente, a ameaças e perigos largamente anunciados – e de sacrificarem mais vítimas às rondas do Covid.
Não se precipitem. Tudo ainda é possível de ser salvo, sendo bens materiais do país e recuperados, em se tratando de direitos confiscados do povo. A esperança novamente estapeada, torturada, combalida, mais injustas prisões, mais traumatismos, mais traumas psicológicos, mais asfixia, as vidas perdidas, não.
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(*) Anna Koretta é socióloga aposentada e escritora. Vive na Itália desde os anos 1970.