"A vida é de quem se atreve a viver".


Diálogo possível: "-Alô, é da portaria, quem fala ai? - É o Jair. -Seu Jair o rapaz, que o senhor autorizou há pouco, não foi para sua casa. -Fique tranquilo, tá okay... eu sei pra onde ele foi".
O que aconteceu entre as casas 58 e 65?

Amaro Santos –

Quem matou Marielle? Quem mandou matar Marielle? Perguntas que não calam após quase 600 dias de sua execução vão ganhando novos contornos com as últimas revelações. Elas levam a pistas que, por sua vez, podem levar a revelações maiores, que talvez não surpreendam parte da plateia.

Vamos às teses.

A produtora de conteúdo Naila Oliveira Castro lança uma suspeita: a bomba no colo de Jair pode atender pelo nome 04. Sim, o filho mais novo, o 04, chama-se Jair Renan Bolsonaro, e namorou a filha de um dos milicianos e provável assassino de Marielle, Ronnie Lessa.

Pois Jair Renan pode ter autorizado a entrada dos assassinos naquela tarde, horas antes da execução de Marielle e Anderson Gomes. A tese é factível. E é endossada pelo desespero de Bolsonaro na live de ontem (29/10), que é um desespero de pai, mais que de um presidente. Como diz a blogueira, "não era um governante, era o Jair, o ser humano, quebrado, quase destruído com a última bomba na cabeça".

O que Queiroz e Witzel têm na agulha deve ser mais que o tal cometa citado pelo primeiro numa gravação. “Pode ser o meteoro que extinguiu os dinossauros”, continua Naila. Aos desatentos, lembro que áudios de Queiroz já divulgados estão cortados, e o restante pode zunir como fissão nuclear. Já Witzel, para quem não lembra, era juiz antes de virar governador, e mandou pra Itália o delegado do caso Marielle. Ou seja, em tese Witzel sabe até onde vai o buraco em que está metido Bolsonaro, que agora o trata como inimigo e a quem acusa de ter vazado o inquérito para a Rede Globo.

A Globo, por sua vez – nova anotação minha, não da blogueira -, vem sendo acossada por Bolsonaro, que a ameaça com a negativa de revalidar a concessão para operação em TV aberta. Ou seja, à mesa temos um cardápio de chantagem que alcança da concessão televisiva à eleição presidencial de 2022.

Voltemos à tese:

"-Alô é da portaria, quem fala ai? - É o Jair - Seu Jair o rapaz, que o senhor autorizou há pouco, não foi para sua casa - Fique tranquilo, tá okay... eu sei pra onde ele foi".

O que lhe parece esse diálogo, senão um acordo quase atropelado pelo olhar atento do porteiro do condomínio?

Sobre chamar um rapaz de senhor, nenhum problema, anota a blogueira. Afinal, trata-se de algo habitual em condomínios de luxo, mormente na Barra da Tijuca, no Rio. “Simples de entender. Fácil de aceitar”, conclui Naila Castro, que completa: difícil é sair dessa ratoeira.

Se para a blogueira, Witzel mostrou poderosa carta na manga, para os brasileiros em geral restam, por enquanto, essas peças de um quebra-cabeça espalhadas pelo chão.

Revelada essa parte da história, brasileiros foram dormir na terça-feira imaginando como um registro tão importante como esse demorou 600 dias para ser mostrado a um país que questiona diuturnamente, com eco nos quatro cantos do planeta, #QuemMatouMarielle? Ainda assim, desvelado por meio de vazamento de um inquérito que parece ter sido montado para virar mofo.

Pois bem. Amanhecido o dia pós revelações, temos alguns novos capítulos: Carlos Bolsonaro, no afã de anular a peça-chave da portaria do condomínio, publicou a lista de visitas da data fatídica, 14 de março de 2018. Pois, na pressa, esqueceu de checar item que o desmente. Está ali, óbvia a chamada para a casa 58, às 15h58, quando o ex-PM Élcio Queiroz pede autorização para entrar no condomínio, afirmando ir à casa de Jair Bolsonaro a bordo do carro usado no crime. O youtuber Filipe Neto, mais atento, publicou no Twitter a mesma lista veiculada por Carluxo, desta feita com o grifo sobre o registro ignorado pelo filho 03.

Em outra frente, a Rede Sustentabilidade anuncia que pedirá proteção ao porteiro dentro do Programa de Proteção à Testemunha do Ministério da Justiça... comandado por Moro.

O ministro da Justiça, a propósito, envia ofício, também na manhã desta quarta (30/10), à Procuradoria-Geral da República e à Polícia Federal determinando a abertura de um inquérito, a apedido do seu chefe, o presidente da República. No documento, nada usual – para dizer o mínimo, em se tratando do cargo exercido por seu autor -, Moro já entra de sola, direcionando a ação dos investigadores: “A inconsistência sugere possível equívoco na investigação conduzida no Rio de Janeiro ou eventual tentativa de envolvimento do nome do presidente da República no crime em questão, o que pode configurar crimes de obstrução à Justiça, falso testemunho ou denunciação caluniosa, neste último caso tendo por vítima o Presidente da República”.

Será federalizada a investigação que corre no Estado do Rio de Janeiro? Será o porteiro do condomínio ouvido em novo depoimento pela Polícia Federal? Serão revelados novos indícios que, para uns, apontem mandantes por trás do assassinato duplo e, para outros, chantagens que visam a emparedar um governo legítimo para embaralhar eleições de daqui a três anos? Enfim, saber-se-á o que aconteceu entre as casas 58 e 65 do condomínio de luxo na Barra da Tijuca, questão agora indissociável do caso de execução de Marielle e Anderson Gomes em março de 2018?

Aguardemos os próximos capítulos, que, como sabemos, podem se suceder mais rápido que a publicação desta rasa e breve resenha.

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