"A vida é de quem se atreve a viver".


Stefan Zweig, sete meses antes de suicidar-se escreveu "Brasil - país do futuro"
Stefan Zweig, o Brasil de ontem e de hoje, e o cansaço de ser - I

Maria Lúcia Verdi –

Numa série de três capítulos, pretendo comentar aqui aspectos da vida e da obra do escritor austríaco Stefan Zweig, que suicidou-se em Petrópolis (RJ) no dia 23 de fevereiro de 1942. Biografia que também foi tratada no filme "Adeus, Europa", de Maria Schrader.

Eu, que levei toda uma existência a descrever os homens segundo suas obras e a objetivar a estrutura intelectual de seu universo, verifiquei, precisamente por meu exemplo pessoal, quão impenetrável permanece em cada destino o núcleo verdadeiro do ser, a célula plástica de onde emana todo crescimento”. (Stefan Zweig)

No Brasil, Stefan Zweig, um grande biógrafo, revisava “O mundo que eu vi”- sua autobiografia e o relato do fim do Império Austro-Húngaro-enquanto escrevia o curioso “O jogador de xadrez”, sua última novela, grande metáfora sobre a vida.

Sete meses antes de seu suicídio “Brasil - país do futuro” (1941) havia sido lançado em seis línguas. Embora o governo de Vargas tivesse aprovado o livro, a maior parte dos intelectuais brasileiros e praticamente toda a imprensa da época criticaram-no.

Afirmavam que Zweig tinha se comprometido com Lourival Fontes (chefe do DIP) a escrever ensaio laudatório sobre o país, em troca da concessão de visto permanente de residência.

Um dos motivos alegados para o suicídio, além da depressão e da desilusão com a humanidade, fora o fato de que o livro que cria uma alcunha para o país não ter sido bem recebido pelos brasileiros.

Acostumado a ser admirado e recebido com carinho, teria tido muita dificuldade em lidar com as duras críticas à sua visão simplificadora do país.

No ambiente europeu de Petrópolis, Zweig reconstruia e interpretava a si mesmo e a sociedade austríaca, revendo o manuscrito da autobiografia, enquanto tentava compreender o Gigante Brasil, onde, no dizer de Mário de Andrade, “tupis tocam alaúdes”.

Dividido radicalmente entre o lá e o cá, entre um tempo dolorosamente perdido e um presente difícil de atingir e avaliar, Zweig afunda-se na melancolia tão bem expressa no filme “Adeus, Europa”.

Filósofo de formação, judeu, mas não religioso,comprometido com a causa judaica, Zweig, no início, não critica o nacionalismo de Hitler, até que os fatos mostrem o que mais abrangia aquela ideologia.

Sem ser sionista – “sou contra todos os nacionalismos, inclusive o judeu” -Zweig, um grande humanista, acreditava na importância da criação de um Estado judeu independente.

Nesse sentido encontrou-se com Salazar para lançar a ideia de uma colônia judaica em Angola.

Os poucos dias que aqui esteve em 1936 bastaram para que se apaixonasse pelo Rio de Janeiro, pela natureza tropical e as marcas do Império na Capital, pela cordialidade brasileira e o respeito ao estrangeiro – qualidades em decadência no continente de origem.

O Brasil vem a ser o “locus amenus” onde o escritor julga haver a integração racial, a quase perfeita harmonia e gentileza no convívio social, miopia comum aos melancólicos, doença da alma que iniciara a afetá-lo após 1914.

Para redigir seu livro viajou bastante, mas não o suficiente, conforme reconheceu, lamentando não ter tido tempo para realizar estudos mais profundos sobre o Brasil.

Além do Rio de Janeiro, fez rápidas viagens a São Paulo (visita à plantação de café que vemos em “Adeus, Europa”), a Minas Gerais, à Bahia, ao Recife, sobrevoou a Amazônia e visitou Belém.

Mas aqui, embora esteja encantado pelo país, a nostalgia de Viena é tal que a enxerga no Rio de Janeiro – descrevendo as duas cidades, surpreendentemente, quase com as mesmas palavras: “...mal se sentia onde começava a natureza e onde iniciava a cidade, uma dissolvendo-se na outra sem resistência nem contradição”.

Não leu o suficiente sobre o país, algo de alguns autores (Rio Branco, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco) sobretudo Auguste Comte.

Ao narrar a história brasileira, não concede importância nem à Inconfidência Mineira nem às tantas revoltas relacionadas ao fim do Império e início da República, nem mesmo Canudos: “Mas essa transformação do império em república realizou-se sem comoções intestinas...”.

Outro bom exemplo do olhar míope é a passagem em que comenta o fato de, em 1815, o Brasil ter sido elevado à categoria de Reino Unido a Portugal: “Portugal e Brasil, outrora senhor e servo, são agora irmãos".

Desconhece, e não busca, as fontes críticas para tentar desvendar o que vê. Romantiza o país. Em belíssimas descrições retrata nossa natureza como em um conto de fadas, semelhante ao que, no cinema, foi “Orfeu Negro”, de Camus.

(Continuação amanhã - Capítulo II).

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