Os atos do dia 2 de outubro não podem discriminar ninguém. Lula, FHC e Ciro precisam focar no ataque a Bolsonaro, fugir desse objetivo é burrice
Mil dias de perdição

Romário Schettino –

A democracia brasileira viveu esses mil dias de governo Bolsonaro sob intenso ataque. A artilharia bolsonarista se utilizou de todas as armas letais. Minha amiga, jornalista Memélia Moreira, prefere chamar esse período de mil e uma noites de pesadelo. Nesse filme de horror toda semana tem uma notícia fake, um desmentido, um falso recuo, uma acusação sem fundamento, xingamentos e desrespeito à Constituição.

Já se perderam o número dos crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro sem que o presidente da Câmara dos Deputados se dispusesse em abrir processo de impeachment.

Ora, não vamos perder tempo denunciando Bolsonaro para uma Câmara dominada pelo Centrão comprado a peso de ouro, na base do toma-lá-dá-cá.

Bolsonaro e seu staff trabalham sob orientação da extrema direita internacional comandada por Steve Bannon na conhecida sigla GDO (Gabinete do Ódio). É preciso reconhecer certa eficiência nessa estratégia já que Bolsonaro mantém seus 20% de aprovação apesar de todas as barbaridades cometidas aqui e lá fora.

O meio ambiente sofreu um dos piores ataques de todos os tempos. A destruição das florestas e as queimadas na Amazônia aumentaram como nunca e Bolsonaro ainda teve a coragem de ir à ONU defender o Código Florestal mais vergonhoso da história.

A CPI da Covid no Senado todos os dias descobre um viés escabroso nas relações do governo federal com empresas e empresários ligados aos problemas da pandemia. Os casos de morte pela Covid diminuíram por causa da vacinação em massa, apesar da resistência do governo em aceitar essa realidade. Pelo contrário, Bolsonaro foi à ONU defender o tratamento precoce.

Mil dias se passaram desde a posse e o Brasil não conhece um único projeto para resolver seus graves problemas sociais e econômicos. Não há proposta. Na verdade nunca houve. A única preocupação de Bolsonaro e defender seus filhos de processo na Justiça e na polícia, como no caso das famosas "rachadinhas", que envolvem o próprio presidente. 

O cenário é o pior possível. Milhares de famílias atingiram a extrema pobreza nesses mil dias, os preços da gasolina, do gás, dos alimentos estão nas alturas. A inflação beira os 10% e o desemprego aumenta, ultrapassa 14%, enquanto a informalidade campeia.

A falsa terceira via – Bolsonaro é um desastre. Mas é fato que a direita e a centro-direita não sabem o que fazer diante da situação que eles próprios criaram. Preferem igualar Lula a Bolsonaro para cavar espaço para uma suposta terceira via.

A Rede Globo não engole Lula e não suporta Bolsonaro. Jamais dará espaço para Lula, esqueçam. A guerra foi declarada há muitos anos, sob o comando do suspeitíssimo juiz Sérgio Moro. Os Marinho estão cavando espaço para um candidato palatável para seus instintos neoliberais, mas ainda não encontraram nenhum até agora por mais que se esforcem.

A direita brasileira vai tentar colar em Lula a figura de extrema esquerda para contrapor à de extrema direita de Bolsonaro. Mas essa ninguém engole mais. Lula nunca foi de extrema esquerda, é um conciliador, e está na frente em todas as pesquisas até o momento.

O brasilianista John D. French, em entrevista a este site (leia aqui), define Lula como uma pessoa equilibrada. “Para as pessoas que falam muito numa polarização, eu gostaria de dizer que todo mundo sabe que o Lula não é uma pessoa que polariza. Lula é um político que trata com qualquer um, respeita seus interesses e busca encontrar soluções”.

Por isso, as forças políticas responsáveis deste país sabem que qualquer Frente Ampla só será ampla se tiver o PT no meio. Dizer nem Bolsonaro, nem Lula, é de uma burrice insuportável. Cegueira política. É obvio que a frente só faz sentido se for todos contra Bolsonaro. Nessa hora não cabe vacilo.

Num mesmo palanque Lula-FHC-Boulos-Ciro Gomes-Flávio Dino-Mandetta-Eduardo Leite-João Doria-Freixo e outros tantos pode dar a sinalização democrática direcionada para o futuro. É evidente que um encontro desse tipo não impedirá que cada um saia candidato, ou com seu candidato, no primeiro turno. A civilidade impõe esse caminho.

O próximo sábado, dia 2 de outubro, servirá como termômetro. Um grande movimento de rua dará o tom que se espera para derrubar de vez qualquer pretensão golpista de Bolsonaro. E trazer de volta a paz na terra Brasil.