Orfeu Maranhão: “Os médicos brasileiros não querem cuidar de pessoas pobres. A nossa medicina é preparada para cuidar dos ricos.”
Por que existem médicos brasileiros bolsonaristas?

Orfeu Maranhão Moreira Barros (*) –

Talvez a melhor pergunta seja "como o bolsonarismo cooptou a classe médica brasileira?".

Os médicos brasileiros não são bolsonaristas. Eles apenas odeiam o PT e, por isso, apoiam qualquer um que seja identificado como inimigo do PT.

O ódio ao PT surgiu devido ao programa Mais Médicos, lançado em 2013 pelo governo Dilma, para suprir a carência de médicos no interior do País e nas periferias das grandes cidades.

As razões pelas quais o programa Mais Médicos é tão odiado são óbvias: ele mostra de forma muito evidente que os médicos brasileiros são elitistas e preocupados mais em ficar rico que com a saúde do povo.

Esse programa foi uma tentativa correta e racional de enfrentar o problema da falta de médicos no interior do País e na periferia das grandes cidades. Dilma tinha boas intenções e escolheu a solução mais barata e mais simples. Mas, nem sempre a solução tecnicamente correta é a melhor estratégia.

O ódio é mal conselheiro e termina fazendo quem odeia a buscar alianças erradas. Foi o que aconteceu com os médicos.

Os médicos brasileiros não querem cuidar de pessoas pobres. A nossa medicina é preparada para cuidar dos ricos. Na maneira de pensar dos médicos, os pobres podem ter acesso à saúde, mas apenas se forem trazidos do interior e da periferia para ser internados nos hospitais centrais, com todos os custos pagos pelo governo. Isso não combina com o estado mínimo, mas os médicos não percebem essa incoerência. Eles não conhecem de economia.

A carreira de médico sempre foi uma garantia de ascensão social, reconhecimento e riqueza. Mas, atualmente está passando por uma longa crise. Há cada vez mais médicos disputando o mercado e cada vez menos recursos para serem gastos com saúde.

As escolas de medicina proliferaram em países vizinhos, para atender a demanda do mercado brasileiro. Os estudantes que não conseguem vagas nas faculdades públicas brasileiras podem se formar em escolas privadas, no Paraguai e na Bolívia, por preços mais acessíveis. Depois é só validar o diploma em uma escola brasileira.

Ao mesmo tempo, o mercado da saúde ficou cada vez mais restrito, devido à queda dos salários. As privatizações, as terceirizações e o arrocho salarial dos servidores públicos reduziu drasticamente a procura por planos de saúde.

Com menos pessoas com capacidade financeira para pagar pelos tratamentos em hospitais privados, o SUS aparece como único recurso para a população.

Os salários de médico do SUS, embora três vezes maior que a média dos salários dos servidores públicos, é muito pouco para a ambição dos médicos brasileiros. Muitos deles ganham mais de cem mil reais por mês, com o acúmulo de dois ou três vínculos empregatícios. Há médicos que têm emprego federal, estadual, municipal e ainda têm seu consultório particular. Essa situação cria uma falsa expectativa para os novatos, que se frustram com as dificuldades atuais da categoria.

Mas o PT não tem culpa dessa situação. Os problemas do setor de saúde começaram já nos anos 90 do século passado. O período coincide com o início da implementação das ideias neoliberais, que prega o estado mínimo. A crise se agravou nas duas primeiras décadas desse século. Exatamente o período em que tivemos pela primeira vez na história Presidentes da República filiados a partidos de esquerda.

A grande maioria de nossos médicos conhece bem apenas a área em que atua. Eles não estão preparados para entender de economia e política. Por isso, grande parte deles não é capaz de perceber que os problemas da medicina estão vinculados à financeirização da economia, principalmente devido à tomada dos planos de saúde pelos bancos e o encarecimento dos procedimentos médicos de diagnóstico e tratamento, devido ao domínio dos grandes oligopólios multinacionais sobre a indústria de remédios e de equipamentos hospitalares.

Nos últimos anos, uma propaganda muito bem dirigida, promovida pelas grandes empresas de mídia e pelos blogs da direita, convenceu os médicos de que todos os seus problemas era culpa do PT e do Lula. Uma prova da má vontade do PT com os médicos, segundo eles, era exatamente o programa Mais Médicos.

A propaganda da extrema direita foi muito bem aceita pelos médicos. Por serem em geral pessoas oriundas da classe média, eles acreditam que merecem pertencer à elite financeira. Esta seria uma justa compensação pela sua dedicação aos estudos.

Mas, há médicos inteligentes. Tirando esses que estão totalmente comprometidos com o Bolsonaro e com o tratamento precoce, que certamente não terão futuro, devido à perda da credibilidade, todos já começam a refletir e perceber que o ódio ao programa Mais Médicos foi uma tremenda bobagem. Mas isso não significa que eles passarão para a esquerda.

Por seu lado, os líderes do PT sabem que é inútil tentar acabar com a enorme rejeição dos médicos ao partido, em razão dos ideais pequenos burgueses da categoria.

Os médicos estarão ainda por muito tempo ligados à direita, com ou sem Bolsonaro.
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(*) Orfeu Maranhão Moreira Barros, Auditor Federal do Tribunal de Contas da União (1993–2015), aposentado.