Delícias do ódio

Nossa propensão às delícias do Ódio é tão natural...” (Umberto Eco)

Edson Lopes Cardoso (*) -

O ódio coletivo ao negro,
aquele a que somos avessos,
massacrou Moise Mugenyi,
congolês vivendo há uma década no Brasil.
O horror foi perpetrado, numa grande celebração,
por horda de pardos e mulatos
de todos os tons.
Moise trabalhava por uma merreca
uma meia pataca de diária
como garçom num quiosque
na Barra da Tijuca
onde foi covardemente assassinado.
No momento em que governantes
propagam as virtudes do Ódio
com ostensiva função político-eleitoral
é justo e digno
recusar-se a pagar valores de serviço prestado
e trucidar aquele que reage com indignação.
Tudo que nossa cultura sobejamente nos ensinou,
usos e costumes bem tolerados pelos brasileiros.
Cadáver dilacerado, vísceras violadas.
Houve parece recuo na informação de evisceramento.
Isso, não. Seria estarrecedor esse troço aí.
Moise foi despedaçado, mas enterrado com suas vísceras.
Ainda bem.
Uma coisa, no entanto, parece certa.
Nada do que aconteceu
nesse ambiente conturbado,
no qual o Ódio abraça uma multidão
de cadáveres dilacerados
como o de Moise,
guarda qualquer relação
com forças que controlam o atual governo.
Fomos preparados para a morte,
sabemos o que devemos fazer.
Com o polegar dobrado
e o indicador esticado
faça mira, gargalhe qual um demônio
e grite: Mito! Mito!
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(*) Edson Lopes Cardoso é Coordenador do Centro de Memória e Documentação Afro-brasileira (Irohin).