Suzana Vargas: “Fazer cultura no país é difícil nesse momento, é verdade. Mas ao longo desses 25 anos de trabalho a Estação das Letras trabalhou sem apoio de ninguém... a não ser de grandes escritores, professores universitários e da imprensa em geral.”
Pandemia e Poesia: Suzana Vargas, a poeta que pilota uma estação

Luis Turiba (*) –

Mulheres são referencias em todos os segmentos das modernas sociedades. Algumas delas, por exemplo, pilotam Uber, táxis, caminhões, ônibus, aviões, trens e até foguetes que cruzam o espaço sideral.

Suzana Vargas, poeta gaúcha-carioca com 16 livros publicados e mestra em Teoria Literária formada pela UFRJ, pilota uma estação completa.

Refiro-me a Estação das Letras, fundada por ela em 1986, um mágico espaço de convivência literária no Rio de Janeiro, onde cursos, aulas, encontros, recitais, seminários, leituras, debates em torno de livros, saberes, fazeres, teorias e conhecimentos, tornou o lugar passagem obrigatória para escritores, poetas, professores, alunos e intelectuais da cidade do samba, do carnaval e do futebol. O livro, nesta estação, foi, é e será o passaporte para as mais extraordinárias viagens que as linguagens humanas podem nos proporcionar.

Suzana faz isso com tamanha naturalidade e amor às causas da literatura e da poesia, que até parece que tudo é muito fácil.

Conheço seu pique, gentileza e amabilidade, não é de hoje. No final do século passado, quando idealizou e coordenou, por mais de dez anos, o projeto Rodas de Leitura, no Centro Cultural Banco do Brasil – com participação de autores como Luis Fernando Verissimo, Jorge Amado, Gabriel García Márquez e Chico Buarque –, tive a oportunidade de participar de uma das rodas sobre Poesia Marginal com os poetas Chacal e Nicolas Bher, no CCBB, de Brasília. Foi uma experiência espetacular.

Além de administrar e fazer acontecer, Suzana é também uma poeta com uma ressoante voz feminina conforme esta resenha do jornal O Globo dos anos 80 sobre seu livro Sem recreio: “'Traz-nos agora uma dicção reveladora do feminino que a coloca de imediato ao lado de uma Adélia Prado, uma Olga Savary, uma Lélia Coelho Frota e uma Consuelo Cunha Campos, entre as vozes poéticas mais ponderáveis da nova poesia brasileira escrita por mulheres''.

Mas vamos a nossa microentrevista:

Em plena pandemia, a Estação das Letras, por intermédio do Instituto IEL, conseguiu fôlego, disciplina e disposição para celebrar seus 25 anos de serviços culturais e literários prestados à sociedade carioca. Foi uma programação intensa com workshops e outros eventos de criação literária. Foram mais de 20 horas de transmissões ao vivo. Como você conseguiu organizar tudo isso, quantos meses de planejamento? Quem foram seus aliados nessa parada? Como enfrentou e venceu esse desafio?

S.V. - Organizamos, na verdade, em pouco tempo. Quase não íamos festejar mas tive uma ideia. Queria, no nosso aniversário, dar um presente aos nossos alunos, à Comunidade da Estação das Letras, à Rede de Amigos e a todos em geral. Mas organização é planejamento, é equipe e sem aliados não iríamos adiante. Na festa contamos com a boa vontade de toda a equipe de professores , dos escritores que realizaram as mesas e com o apoio luxuoso da KDP. Mas, de fato, foi rápido, porém planejado milímetro a milímetro com muito amor e respeito aos nossos amigos.

Nos conhecemos há 40 anos, quando você era consultora e produtora de encontros e eventos literários e poéticos do CCBB. Nesta ocasião, você organizou um recital com três poetas da chamada geração marginal em Brasília. Ricardo Chacal, Nicolas Behr e este que te pergunta. E agora Suzana: o governo não quer mais saber de Poesia; o CCBB está sangrando. Como fazer cultura no País da rachadinha, das fake news e do ódio à natureza e ao meio ambiente?

S.V. - Pois é, Turiba, foram tempos luminosos, bonitos esses . Lembro que nessa época tínhamos o financiamento do CCBB para o projeto das Rodas. Muita, coisa mudou .

Fazer cultura no país é difícil nesse momento, é verdade. Mas ao longo desses 25 anos de trabalho a Estação das Letras (hoje IEL) trabalhou sem apoio de ninguém. Nunca tivemos (quer dizer, o espaço em si) financiamento de ninguém, de nenhuma entidade. A não ser o apoio de grandes escritores, professores universitários e da imprensa em geral.

Na verdade, já fazíamos e continuamos a fazer, desde sempre, economia criativa. Sempre apostei na leitura como sendo algo que não necessariamente precisa depender de verbas homéricas. Trabalho de modo eficiente com pouco, muito ou com dinheiro nenhum (que é o que acontece com o IEL). Continuamos com nossas oficinas e eventos - agora online e conseguimos ampliar nosso espectro, nosso público. Agora temos o país e até cursos internacionais. Para fazer cultura existe um ingrediente fundamental: vontade de fazer, tempo, paixão pelo que se faz. E entender profundamente do que você faz (ou estar apaixonada pelo que você faz, o que dá quase no mesmo.

A Estação das Letras é para você uma missão? E como você vem cumprindo com esta missão com tanta garra e sabedoria?

S.V. - A palavra missão está eivada de significados nem sempre edificantes, principalmente quando se refere à religião. Não existe isso de “missão". Existem oportunidades, uma vontade de fazer, uma espécie de fé naquilo que a gente faz. No meu caso, faz parte da minha fé na leitura, na poesia e na literatura. Acreditar que essas matérias são transformadoras da vida da gente para melhor. Acredito nisso desde sempre. Desde que quando menina comecei a ler meus primeiros poetas e autores com os quais me identifiquei. Naquele momento, a crença de que a palavra é revolucionária nunca me abandonou. Acho que venho cumprindo minha missão com decência, com honestidade. Não forço a barra de nada , nem de ninguém. Profissionalizamos o meio literário, tratamos autores, professores e alunos com dignidade, oferecendo-lhes o melhor da literatura. Ajudamos muitos neoescritores e profissionais do livro a se lançar no mercado, creio que ninguém pode se queixar. Todos foram e são tratados profissionalmente. Me orgulho disso.

Quando a pandemia deu as caras no Brasil, em março, como você se planejou para enfrentar a peste?

S.V. - Não planejei nada. Já havíamos feito uma tentativa de cursos online, muito tênue.  Quando a pandemia chegou, fiquei, como se diz, "com o pincel e a tinta na mão”, mas sem a escada. Pensei: agora acabou. Porque somos muito pobres, de verdade. Não podemos passar um mês sem funcionar. Temos muitas responsabilidades: espaço, funcionários, impostos. um universo. Mas depois surgiram as aulas remotas e tudo foi se organizando e até ampliando. Hoje estamos com todos os cursos funcionando a todo vapor e muitos eventos . E agora partimos para outras ações comunitárias como as Rodas de Leitura no Morro do Alemão. Enfim, a pandemia nos colocou de verdade no século XXI

Qual o poema indicado para acompanha-la neste papo?

Felicidade

Felicidade
melhor não conhecê-la
pra não arrancar seus cabelos,
não rasgar suas vestes bordadas de azul
Melhor não conhecer
para não acender
esses girassóis inquietos na memória
onde ela nos perturba e existe
com seus sinos
no treiler dos seus filmes coloridos
É uma flor inesperada,
vem sem agenda com hora marcada
e não se repete
como a um prato de comida,
rosa esquecida pelo acaso das coisas
E o principal:
melhor não pensar nela
para caber, enfim,
no seu vestido
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(*) Entrevista publicada originalmente na página do autor no Facebook