Indiana Nomma, a maior intérprete de Mercedes Sosa no Brasil
Hondurenha e brasiliense

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –

10ª edição do Guia Musical de Brasília - Pelo 22º ano consecutivo, a cantora Indiana Nomma, meio hondurenha, meio brasiliense, homenageou a argentina Mercedes Sosa com o show Mercedes Sosa – A Voz dos Sem Voz no dia 9 de julho, no Teatro Rival Refit no Rio de Janeiro, com as bênçãos do neto de Mercedes, o produtor Agustín Matus. Em breve o show chegará em Brasília.

A data coincide com os 87 anos de nascimento de La Negra. Na véspera, o álbum correspondente, com 10 canções, gravado em parceria com o violonista André Pinto Siqueira, estará disponível em todas as plataformas digitais.

Lançado pelo selo Mills Records, o álbum inclui canções imortalizadas por Mercedes Sosa como Alfonsina y el Mar, de Ariel Ramírez e Félix Luna,  Gracias a la Vida e Volver a los Diecisiete, de Violeta Parra, e Si se calla el cantor, de Horacio Guarany. “Prepare-se para chorar muito”, nos disse Indiana Nomma. “São 40 minutos de choro, e mais 30 minutos com as pessoas tentando se recuperar até o final do show”.

Combinamos a conversa com Indiana no Sebinho, na 406 Norte, perto de onde a cantora morou anos com o filho, Tagore Martins de Morais. Desconfiada, ela perguntou à proprietária da livraria, Cida Caldas, sua amiga, se por acaso nós não éramos bolsominions. Depois de a Cida atestar o nosso compromisso com o comunismo desde criancinha, Indiana relaxou e acabou dando boas gargalhadas ao nos contar a história.

Este registro tem uma razão de ser: Indiana herdou dos pais, obrigados ao exílio pela ditadura militar, tanto a sensibilidade social como o gosto musical. Sua mãe, a educadora Célia Lima, participou do programa de alfabetização do governo sandinista da Nicarágua, nos anos 80. Seu pai, Clodomir Santos de Morais, foi um dos organizadores, ao lado de Francisco Julião, das Ligas Camponesas do Nordeste, tendo sido o seu último dirigente. Preso pela ditadura, foi vizinho de cela do educador Paulo Freire. Clarinetista e saxofonista, foi ele quem apresentou Indiana ao mundo da música clássica e do jazz. 

Nômade – Nascida em 1976 em Honduras, quando o pai já era um importante   funcionário da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Indiana cresceu em trânsito por vários países – México, Portugal, Nicarágua e Alemanha Oriental. Nesse país, a partir dos oito anos, estudou canto e teatro. Com a democratização do Brasil, veio parar em Brasília no final dos anos 80, onde morou 23 anos. Com a voz de tenorina, participou de vários corais, tendo acompanhado, em 1994, o Coro Sinfônico Comunitário da UnB, sob a regência do maestro David Junker, no Carnegie Hall em Nova York.

Em seguida, integrou o coro feminino do Instituto de Música de Brasília numa excursão à Costa Rica. “Depois disso eu fui cantar na noite, porque precisava pagar as contas, e a música erudita não dava dinheiro. Eu era muito jovem e tinha acabado de engravidar”.

Essa fase, quando “cantava discoteca dos anos 70”, durou seis anos, segundo se recorda. “Depois eu fui fazer banda de baile, fui backing vocal de sertanejo, cantei tanto coisas que eu odiava e coisas que eu amava, até que resolvi seguir a carreira solo”.

Nesse novo período, o seu principal palco foi o Gate’s Pub, na 403 Sul. Mais tarde, o Feitiço Mineiro, da 306 Norte, tornou-se a sua segunda casa, depois que os artistas locais passaram a ser mais valorizados pelo novo produtor musical do estabelecimento, Gerson Alvim, ex-Canecão do Rio.

Finalmente, em 2010, Indiana Nomma mudou-se para o Rio de Janeiro, onde consolidou-se como cantora de jazz, passando a ganhar os palcos da Argentina, Alemanha, Itália.

Ela conta que o seu primeiro grande parceiro no Rio foi Osmar Milito, pianista que havia acompanhado gente como Elis Regina, Sarah Vaughan, Leny Andrade e Sérgio Mendes. Com ele gravou, em 2015, o CD Unexpected, finalista do Prêmio da Música Brasileira na categoria “Álbum em Língua Estrangeira”. 

Outras parcerias incluíram o guitarrista argentino Victor Biglione, a cantora Leni Andrade, o violonista André Pinto Siqueira, o guitarrista Nelson Faria, o guitarrista americano Mark Lambert, e a cantora Alma Thomas. 

Além dos álbuns com Osmar Milito e André Pinto Siqueira, Indiana Nomma gravou outros três CDs: Lessons in Love (2017, Bossa Nova) produzido por Raymundo Bittencourt, parceiro de Roberto Menescal; Indiana & Tico (2021, Jazz), com o guitarrista Tico de Moraes, de Brasília; e Sings Adele in Bossa Nova (2022, Bossa Lounge).

Influências – Já perto do final da entrevista, o Guia Musical quer saber quais são as principais influências da cantora, tanto da música latino-americana como do jazz. Com quem ela aprendeu, por exemplo, os típicos saltos melódicos do bebop?

No primeiro departamento, Indiana elenca, além de Mercedes Sosa, os artistas que ela cresceu ouvindo na América Central – Silvio Rodríguez, Pablo Milanés, Violeta Parra, Atahualpa Yupanki, Horacio Guarany, entre outros.

Quanto ao jazz, surpreendentemente, ela diz que as maiores influências não foram as cantoras Sarah Vaughan ou Billie Holiday, mas, sim, alguns instrumentistas, como Chet Baker, Miles Davis e John Coltrane. “Para evitar o risco de repetir e imitar as cantoras, eu estudava mais os instrumentistas, os tenores, que têm uma onda mais melódica e muitos recursos do improviso. É claro que a Billie Holiday, a Sarah Vaughan, e também a Bessie Smith, uma precursora, estão entre as minhas cantoras preferidas. Atualmente eu escuto muito a Roberta Gambarini, uma italiana radicada em Nova York, espetacular em técnica, improviso e escolha de repertório”.

E entre as brasileiras? “Leny Andrade, no jazz não tem outra!”, diz ela sem pestanejar. “Mas na preferência do coração está a Rosa Passos. E tem a Áurea Martins e a Elizeth Cardoso. Das novas gerações, Fernanda Fernandes. Também gosto da Fernanda Santanna e da Liz Rosa, outras duas intérpretes espetaculares”.

Por fim, uma curiosidade: onde ela cavou o sobrenome artístico “Nomma”? A cantora explica que o seu nome de batismo, Indiana, sempre provocou confusões: ela teria vindo de Honduras ou da Índia? Um amigo, por sinal indiano, costumava chamá-la de Mama, por seu jeito maternal. Mas Mama daria duplo sentido em português… Para resolver o problema, Indiana recorreu à numerologia e acabou adotando Nomma, que remete à palavra ‘nômade’, “que é exatamente o que eu sou”. 

Indiana pede para encerrar o papo porque já está atrasada para uma sessão de consultoria online. Além de cantar, ela também é produtora e oferece workshops sobre os meandros da profissão e do mercado dos músicos.