Antônio Carlos Bigonha: carreira sólida em parceria com Dori, Danilo e Nana Caymmi, Toninho Horta, Clodo Ferreira, entre outros e outras (@ Divulgação)
Música para beijar

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –

Guia Musical de Brasília nº 9 - Ao entrar no quintal do subprocurador-geral da República, pianista e compositor Antônio Carlos Bigonha, no Setor de Mansões Dom Bosco, a gente se depara com um grande painel de azulejos de Athos Bulcão, composto especialmente para a casa. As peças foram parar em 2004 na capa do primeiro CD de Bigonha, o Azulejando, título do chorinho que ele dedicou ao amigo Bulcão, o criador da pele de Brasília, complemento dos eixos do Lúcio Costa e das curvas do Niemeyer.

De chofre, o editor do Guia Musical faz uma provocação política à guisa de cumprimento: “Eu o entrevistei para a revista do Sindjus no início do século, numa época em que o Ministério Público ainda defendia o princípio da presunção de inocência”! Bem humorado, Bigonha dá uma resposta séria, antes da conversa tratar de música: “Eu estou preso ao Ministério Público guardião das garantias fundamentais. Ele se desviou um pouco do caminho, mas vai voltar a cumprir o seu melhor papel, de advogado da sociedade, e não de delegado nacional”.

Voltando ao motivo da entrevista, o pianista-compositor faz um resumo de sua vida e carreira. Tomou as primeiras lições de piano com a mãe, dona Helena, em Ubá, Minas Gerais. Estudou também com a professora Ana Lúcia d’Ávila, sobrinha do cantor Nelson Ned, seu conterrâneo. Quando tinha de onze para doze anos, o pai, funcionário do Banco do Brasil, foi transferido com a família para Brasília. E aqui ele cursou piano clássico na escola Lorenzo Fernández. No final da década de 70, frequentou a Escola de Música de Brasília, como aluno do maestro Emílio de César. Terminando o segundo grau, ingressou na UnB, onde concluiu o curso de piano clássico.

Desde criancinha – Composições Antônio Carlos Bigonha faz desde os sete anos, incentivado pelo avô materno, um violinista descendente de italianos. Os professores de piano não gostavam nada de seus exercícios, achando que eles tiravam “a disciplina do estudo”. A ideia de se lançar como compositor se concretizou no dia 21 de abril de 2001, no show Saudades de Brasília, apresentado na Sala Martins Pena do Teatro Nacional.

“Eu chamei o Eladio Oduber, um pianista, que eu conheci no Gate’s Pub e no Bom Demais, líder de uma banda ótima, a Cocina del Diablo. O Eladio produziu o show, tocou piano, e eu toquei também. O repertório foi todo autoral, com o Ademir Júnior no saxofone, o Rômulo Duarte no contrabaixo, o Erivelton Silva na bateria, e o Cleiton Souza também no saxofone”.

No ano seguinte, Bigonha conheceu Toninho Horta na casa do amigo Marquinho, marido da poeta Amneres Santigo. Mostrou-lhe algumas músicas e, para sua surpresa, Toninho lhe perguntou se não gostaria de gravar com ele. “Aí eu quis, né! Lógico”! Desse encontro resultou o CD Azulejando, produzido por Flávio Henrique, do estúdio Via Sonora de Belo Horizonte, com as participações de Toninho Horta (violão e guitarra), Juarez Moreira (guitarra),  Esdra Ferreira, o Neném (bateria), Maurício Freire (flauta) e Chico Amaral, da banda Skank (flauta). As duas canções com letra, O Lamento do Pierrô e Maio Azul, foram interpretadas por Marina Machado. O disco ganhou o IV Prêmio BDMG Instrumental, e Bigonha saiu em turnê por Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro.

O encontro com Dori – Na sequência, o produtor Flávio Henrique de Belo Horizonte apresentou a Bigonha a cantora e compositora Simone Guimarães, que lhe propôs parceria. Daí resultaram duas canções, Flor de Pão e Confissão, gravadas para o CD Flor de Pão de Simon no estúdio Biscoito Fino de Francis Hime, no Rio. Ali Bigonha conheceu Dori Caymmi, que arranjou a valsa Confissão, depois gravada também por Nana Caymmi.

A partir dessa experiência, e da amizade imediatamente iniciada com Dori, Danilo e Nana, Bigonha deu um passo gigantesco na carreira. Com Dori gravou o segundo disco, Urubupeba, em 2010, com todos os arranjos de Dori. O próprio Bigonha tocou o piano; a guitarra, Paulo André Tavares e Dori Caymmi; o baixo, Oswaldo Amorim e Jorge Hélder; a bateria, Leander Motta e Jurim Moreira; e a percussão, Michael Shapiro. O álbum gerou shows no Clube do Choro, no Rio e Belo Horizonte.

Oito anos depois, ele quis gravar um disco só com piano (ele próprio), baixo (Jorge Hélder) e bateria (Jurim Moreira), o Anathema. Detalhe: com a segunda faixa do álbum, Que ironia, inaugurou uma nova parceria, dessa vez com o compositor Clodo Ferreira, renovada no disco seguinte, o último, Saudades de Amanhã, lançado em dezembro do ano passado.

Os arranjos do piano e da orquestra desse disco foram feitos por Dori Caymmi, que, aliás, foi quem o engatilhou. Isolado pela pandemia em Petrópolis, um dia Dori ligou para Bigonha perguntando se ele não tinha “música pra gente arranjar”. Ele tinha algumas, e compôs outras para completar o álbum com uma pegada confessadamente jobimiana. “Não é à toda que eu me chamo Antônio Carlos”, diz ele, atribuindo seu nome de batismo à Bossa Nova.

A faixa Perto do Tom é a que compôs com Clodo Ferreira. O Prólogo e o Epílogo ele compôs com Dori. No violão comparece Dori; no contrabaixo, Jorge Hélder; na bateria, Jurim Moreira. O luxo das cordas, por indicação de Dori, coube a uma orquestra de São Petersburgo, regida pelo maestro brasileiro Kleber Augusto.

Infelizmente, não temos espaço para estender estes comentários. No entanto, o Guia Musical não poderia deixar de registrar três informações relevantes:

1) O nosso entrevistado os três filhos para a música, deixando que cada um escolhesse o seu instrumento: Roberto, o caçula, ficou com a bateria; Antônio, com o baixo elétrico; Márcio, com a guitarra e o violão. Márcia, a esposa, analista do Tribunal Regional Federal, não é musicista, mas é a sua produtora e a primeira crítica.

2) Bigonha concluiu em dezembro de 2015 o mestrado na UnB, investigando a ressignificação da obra original pelo arranjador. Nessa perspectiva, a sua hipótese é um arranjo é uma forma de interpretação, tanto mais original quanto o arranjador “conseguir distanciar-se da forma primeva elaborada pelo compositor, sem, no entanto, descaracterizá-la”. Como seria de esperar, ele escolheu Dori Caymmi como o caso de seu estudo.

3) Nosso músico está sendo ouvido em todo o mundo. A canção Perto do Tom estourou no Spotify com mais de 150 mil audições. No Japão, um crítico aparentemente conhecedor da MPB registrou numa resenha que as melodias do álbum Anathema “são muito bonitas… são músicas boas para beijar”.