Virgínia Feu Rosa: a busca de algo mais "essencial", menos "intelectual" (Foto: Tatyanna Gois/Instagram)
Doçuras

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –

Esta é a quarta entrevista da oitava edição do Guia Musical de Brasília, que acaba de ser publicada em forma impressa.

A frase parece banal, mas cada artista tem um programa de trabalho refletindo a sua filosofia de vida. O programa pode não ser explícito, e às vezes é confuso, sendo revelado de qualquer forma por suas obras. No caso de Virgínia Feu Rosa o programa é claríssimo e pode ser sintetizado numa só palavra, doçura, marca de sua voz, reconhecida pelos críticos. 

Para checar, ouça o samba Vem me ensinar, de autoria da cantora, a terceira faixa do EP Irradia, que estreou no YouTube (ouça aqui) em fevereiro de 2020.

Diz o samba:

Nuvens de preocupações a me afligir
Mas a Luz ao fim do túnel ali surgia
Vejo o sol que me aquece e me anima
Mostrando um caminho a me amparar, me ensina!

Vem pra cá, vem pra cá, vem me ensinar

Girassol, seu amarelo irradia
Suave e calmante alegria
Exalando essa doçura que fascina
Fascina sem sequer se esforçar, me ensina!

Vem pra cá, vem pra cá, vem me ensinar

Me ensina porque também quero ter
Alegria só por desabrochar

Vem pra cá, vem pra cá, vem me ensinar 

Essências - De uns dois anos para cá é que Virgínia decidiu deixar mais evidente a sua mensagem de compositora e cantora, uma mensagem voltada para o autoconhecimento e para a reconexão com a natureza, algo mais “essencial”, menos “intelectual”, diz ela. Para ilustrar o que busca, ela cita uma de suas canções favoritas, Balada do Louco, de Arnaldo Baptista, Rita Lee e Roger Ranson. “Temos que nos reprogramar. Não existe essa história de normal. Todos nós somos únicos. Temos que abraçar essa singularidade. Não podemos abafar isso”. Trilhando o novo caminho, ela se tornou vegana e passou a se dedicar à meditação.    

Virgínia nasceu no Espírito Santo, viveu na Inglaterra dos 11 aos 15 anos, mudando-se para Brasília em seguida. Aqui participou do Coral Sinfônico da UnB, estudou teoria e canto popular na Escola de Música, e fez flauta transversal e piano com professores particulares. Iniciou a carreira artística por volta de 2008, cantando em bares.

Depois de formada em Direito, ingressou no Tribunal de Justiça do DF por concurso, estava com a vida estável, ela diz, mas sentiu que lhe faltava alguma coisa além das convenções e obrigações impostas pela sociedade. Foi a música que preencheu a sensação de vazio.

Em 2014 fez uma turnê pela Europa (Munique, Chipre, Suécia) com um tributo a Nara Leão, nos 25 anos de desaparecimento da musa da Bossa Nova. Virgínia já era fã de Tom Jobim, Vinicius, Elis Regina, Chico Buarque, Caetano, Gilberto Gil, Djavan, na MPB, de Louis Armstrong e Ella Fitzgerald no jazz, e também frequentava a música pop com Madonna e A-ha, por exemplo. No entanto, Nara foi uma revelação para ela, justamente pela doçura, em contraste com a intensidade de Elis.

O encanto cresceu ainda mais quando descobriu que o pai de Nara Leão, o advogado Jairo Leão, é primo em primeiro grau de sua avó paterna. Todos capixabas.

Em 2013 o Fundo de Apoio à Cultura aprovou o projeto de seu CD, Primeiro Impacto, lançado em 2016, “um fruto do Cerrado, um fruto de Brasília”. São 13 faixas, das quais três de sua autoria, Naiê Naiam, Tortos Caminhos, em parceria com César de Paula, e Enamore-se de si, com Hallison Nogueira. O CD inclui canções de Oswaldo Montenegro, Clodo, Climério e Clésio, Hamilton Holanda, entre outros.

Ao compor, Virgínia leva em conta as lições aprendidas com a professora  Valéria Klay, que privilegia a técnica do canto natural, tanto para não forçar as pregas vocais como para preservar as nuances individuais dos cantores e cantoras.

Antes da pandemia, Virgínia já havia decidido apostar ainda mais nas redes sociais para mostrar o seu trabalho. Estava mais do que preparada, portanto, para enfrentar a crise. Nos últimos meses lançou EPs e programou várias lives, que podem ser acessadas no YouTube e na sua página do Facebook.