No Brasil, o Apocalipse Zumbi não é ficção
Seria zumbi parte da espécie Homo sapiens brasiliensis?

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –

Assustada com os acontecimentos da semana em que ainda se atropelam dois ministros da Saúde e em que a média móvel de mortos pela Covid-19 ultrapassa dois milhares por dia, a pessoa me pergunta: “Vai ter impeachment”? Respondo na lata: Acho que não. Com esse Congresso aí, impeachment só depois de um milhão de mortos! A pessoa diz “Ah, tá!”, aparentemente sem perceber a monstruosa ironia que eu acabo de dizer. E faz outra pergunta: “Mas vai colocar quem no lugar?” O Mourão, digo eu. “Hum”, murmura a pessoa.

Assim caminha o Brasil, com grande parte da população em estado catatônico, condição de zumbi. É como se essa gente toda sofresse da síndrome de Estocolmo, aquela em que o sequestrado acaba se apaixonando pelo sequestrador.

Já que os politólogos e os analistas políticos não conseguem explicar o fenômeno (contrariando os ensinamentos do general Võ Nguyên Giáp sobre a guerra popular, eles preferem perder tempo atacando a moralidade dos inimigos ocasionais do Coiso, como a médica Ludhmila Hajjar), talvez a gente deva recorrer à biologia, que dará a última palavra a longo prazo, por falar nisso. 

Estou pensando na marimbonda da família Ichneumonidae, que bota os seus ovos dentro de lagartas vivas para que as larvas se alimentem até a metamorfose em inseto. O aparente horror desse comportamento parasitário fez balançar a crença de Charles Darwin na existência de um Deus benevolente e onipotente. Bem comparando, é mesmo pouco crível que um Deus de bondade infinita permitisse que um sujeito como o Bolsonaro, com o título de “Messias”, dominasse o povo brasileiro a ponto de parasitá-lo com os ovos da serpente fascista.

Uma amiga me ajuda no rude raciocínio, recitando os versículos 11 e 12 de João 10: “...O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas. O mercenário, que não é o pastor a quem as ovelhas pertencem, vê a aproximação do lobo, abandona as ovelhas e foge. Então, o lobo as apanha e dispersa o rebanho”. Essa amiga, evangélica histórica, é boazinha. Compara o Coiso com o pastor incompetente porque interesseiro e corrupto, e não com o lobo, o chefe da matilha. Mas deixemos a teologia de lado e voltemos à biologia.

Exemplos de zumbis – Está acessível no YouTube para quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir um vídeo fera do jornalista científico Ed Yong, autor do sensacional I Contain Multitudes - The Microbes Within Us and a Grander View of Life (Ecco/Harper Collins Publishers, 2016) sobre o parasitismo na natureza. Veja o filme clicando aqui

Além do caso dos Ichneumonidae, citado acima, nesse vídeo o Yong comenta os seguintes exemplos:

- O sequestro dos camarões do gênero Artemia por uma espécie de verme (Flamingolepis liguloides), que os castra, amplia a sua expectativa de vida, muda a sua cor para o vermelho e os obriga a nadar em bandos. O resultado é que assim os camarõezinhos se tornam mais visíveis e alvos fáceis dos flamingos, aqueles pássaros cor-de-rosa com pernas de pau.

- O sequestro das cabeças de grilos e gafanhotos pelo verme Spinochordodes tellinii, que confunde os cérebros dos insetos de tal forma que eles se tornam erráticos e acabam se afogando em algum rio ou poça d´água. Motivo: o verme só se acasala dentro d’água.

- Como no caso da vespa Ichnomida, o marimbondo-joia ou vespa-esmeralda (Ampulex compressa) injeta veneno no cérebro de baratas para levá-las até o seu ninho. Ali a vespa injeta seus ovos no corpo das coitadinhas e as transforma em incubadeiras de suas larvas.

- O agente da toxoplasmose, enfermidade que pode trazer sérias complicações para as mulheres grávidas, é o protozoário Toxoplasma gondii, e seus principais hospedeiros são os gatos. Quando infectados, os ratos, seus hospedeiros intermediários, perdem o olfato e o nojo pelo cheiro da urina dos bichanos. Daí invertem a reação instintiva: em vez de fugir, eles são atraídos pelos felinos, que nem precisam se dar ao trabalho de ir caçá-los. O ciclo recomeça.

Falácia, não! - Algum leitor engraçadinho poderá me acusar de falácia naturalista por comparar o comportamento da parte zumbi da população brasileira aos hábitos dessas pobres vítimas. Vão dizer que as causas de sua apatia catatônica são sociológicas, políticas, psicológicas e coisa e tal. Eu não dou nem tchum pra esse argumento!

Ora, se a espécie Homo sapiens brasiliensis (brincadeirinha!) é parte da Natureza, os seus comportamentos, inclusive o econômico, social, político, psicológico, também são, nesse exato sentido, naturais. Não podem ser explicados por causas que supostamente estariam além da Natureza, nas esferas do Além. Por isso reafirmo: a biologia é que vai dar a última palavra, queiramos (a curto prazo) ou não (a longo prazo).

Cabe aqui uma observação importante sobre a reprodução do coronavírus SARS-Cov-2. Esse vírus é a causa natural necessária para o desenvolvimento da Covid-19, mas não foi a causa suficiente para que a doença se tornasse uma pandemia.

Ora, já se sabia, desde a década de 30 do século passado, que grande parte dos vírus, os envelopados por duas camadas de gordura, podem ser prevenidos com água, sabão, máscaras e distanciamento social. Esses hábitos foram praticados empiricamente durante a pandemia da gripe dita espanhola, em 1918-1920. Por que razão os governos ocidentais não fizeram agora como a República Popular da China, adotando compulsoriamente tais medidas para inibir a propagação da peste? E desde que temos vacinas disponíveis, por que o governo brasileiro não seguiu o modelo do governo Biden, que acaba de alcançar a marca dos 100 milhões de vacinados? (Desculpem, a pergunta é retórica, uai!)

No Brasil, como no resto do mundo, o coronavírus SARS-Cov-2 e suas variantes, cada vez mais numerosas, é a causa necessária da doença. A causa suficiente para a sua dispersão em escala geométrica é o governo Bolsonaro, cujo comandante em chefe se comporta como doublé de gato e ratinho, ambos infectados pela toxoplasmose.

Coda - Dia desses eu ouvi um argumento sagaz sobre a diferença entre o papel dos cientistas e o papel dos políticos. Os cientistas se ocupam da descoberta e descrição dos fatos científicos. Eles constatam, por exemplo, que a urina é um ótimo condutor de eletricidade. Cabe aos pais, aos professores e aos síndicos (agentes políticos e morais) fazer o alerta de que você pode morrer de choque se fizer xixi sobre fios desencapados ligados a uma corrente elétrica.

A verdade é que as pessoas em geral não “seguem a Ciência”, um troço muito complicado para a maioria da população. Mas os cidadãos seguem os seus líderes políticos. Se durante uma pandemia os líderes agem de maneira virtuosa, quer dizer, embasados nas constatações dos seus conselheiros cientistas, menos gente morre. Óbvio, né!