Os três reis magos pretos que encontrei

José Carlos Peliano (*) –

Não vinham em camelos nem em sonhos
estrela guia não apareceu em qualquer quadrante
suas roupas deixavam de trazer acabamentos e brilhos
mãos vazias, sem reinos, credenciais e compromissos.
O primeiro, era uma menina, rainha Maria das Graças,
pernas defeituosas e cruzadas de nascença
se arrastava sentada no chão apoiada nas mãos abertas
me pediu comida no restaurante de estrada em João Pessoa
convidei-a, peguei-a e a sentei na cadeira ao meu lado
alegre, espontânea, falava de tudo e saboreava o prato
dei-lhe boa recompensa ao final e a pus de volta ao chão
despediu-se de mim enviando um beijo estalado
retribuído do mesmo jeito em saudação sentida
seu sorriso nunca deixou de deixar estar comigo.

O segundo, um menino descalço de olhos tristes
magro de pés andarilhos sem horas marcadas
veio a mim quando eu entrava no carro para partir
seu rosto como uma flecha cruzou meu coração
dei-lhe um abraço de natal com a ajuda que pedia
agradeceu-me com sorriso tímido e se foi levando o sol da tarde.

O terceiro, um homem em cadeira de rodas
sem as pernas com as quais nasceu
cantarolava sons de embalar as horas
entre sorrisos leves e voz de mansidão
recebeu com mais sorrisos minha ajuda
de olhos bem abertos me enviou um abraço redondo marejado
voltou em seguida às suas cantigas de paz no coração.

Os três me deram presentes sem tempo, carinho e tamanho
carregados de gratidão, reconhecimento e valor
não que eu fosse um salvador imprevisto ou especial
mas apenas um como eles, amigo, irmão, companheiro
seus olhares, expressões, gestos e presença
deixaram em mim a força do ser humano
perdido nos confins de cada um de nós pelo mau uso
mas que pode ser um dia enfim resgatado
quando nos tocar fundo o sentimento de igualdade
fraternidade, mãos dadas, passos juntos
na construção conjunta de um mundo feito de natais
sem reis, apenas magos do amor e compaixão.


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(*) José Carlos Peliano, poeta, escritor, economista.