– Não tem nada de praga, Praga é o nome da capital da República checa, um país muito bonito, uma das cidades mais bonitas do mundo. Lá existem igrejas antigas e muito famosas.
“Mas, que língua do cão é essa que esses diabos estão falando?”

Luiz Martins da Silva –

Tristeza era pouco para designar o sentimento de Geralda ao saber que os patrões iriam, de novo, para o exterior e que ela, mais uma vez, ficaria por aqui, logo ela, que desejava tanto conhecer essas tais terras estrangeiras, tão interessantes e tão ricas, a julgar pelos presentes que traziam após quatro ou cinco anos que ficavam por lá e, outra vez, perguntavam se ela aceitaria, novamente, vir trabalhar com eles. Dessa vez, porém, ela foi consultada:

– Geralda, vamos ter de ficar mais uma temporada fora. Mas, estivemos pensando, você já está há tanto tempo conosco, quem sabe, desta vez, você queira ir com a gente?

– Ora, se quero, Dona Glória! Primeiro, eu não gosto de me apartar de vocês. Depois, eu não quero morrer sem conhecer uma dessas terras estrangeiras. E só indo com vocês, pois quando é que eu, sozinha, como empregada doméstica, sem saber a língua deles vou poder realizar o meu desejo de fazer uma viagem dessas?

– Pois, então, vamos providenciar tudo, seus documentos... E tem de ser logo, pois o Márcio será nomeado muito em breve, nós não lhe contamos nada, pois não era conveniente tocar no assunto antes que estivesse tudo certo. Agora, não há mais problema, ele já foi anunciado, vai ser embaixador em Praga.

– Praga? Dona Glória, pelo amor de Deus, mas isso é lugar de gente? Praga? E isto é onde?

– Não tem nada de praga, como se entende aqui. Praga é o nome da capital da República checa. É um país muito bonito, aposto como você vai gostar. Praga é considerada uma das cidades mais bonitas do mundo. E você vai gostar especialmente das igrejas, você que é tão católica, lá existem igrejas muito antigas e muito famosas.

– República checa? Piorou. É de lá que vem essa estória de banho tcheco, das pessoas que em vez de tomar banho completo ficam só no tcheco, tcheco?

– Não, Geralda! Na Europa, nos meses de frio, as pessoas, realmente, não se esbaldam em banhos longos, não. Mas, eles tomam banho, sim, mesmo nas estações geladas. E as casas têm aquecimento.

– Ainda bem. Achei que era um desses países onde eles não se lavam direito, temperam com uns perfumes e, com o tempo, vão ficando azedos de não dar nem pra alguém chegar perto, por causa do bodum.

– Ih! Acho que você não gostou muito da novidade, quem sabe, então, você fica, a gente dá baixa na carteira e, quando voltarmos, a gente chama você de volta.

– Capaz, Dona Glória! Quero ir sim. Eu estando com vocês, mantendo meu emprego, tomando o meu banho todo dia...

– Então, está combinado. Vamos começar a ver o que vamos levar nas bagagens pessoais, porque o restante você sabe, o governo providencia tudo, as passagens, a mudança...

E assim se sucedeu. Em pouco mais de um mês, o embaixador Márcio Paranhos chegava a Praga com a família e, desta vez, sem deixar para trás a Geralda, que eles já consideravam como sendo da família.

Depois de um dia inteiro de longa viagem, e com escalas pelo meio, a família estava, finalmente, na nova casa. Novo posto diplomático; novo país; nova capital; vida nova, especialmente para Geralda, para quem se abria todo um novo mundo, cheio de novidades, sobretudo depois de alguns anos, quando ela já se havia acostumado e se desembaraçado de uma série de dificuldades e descoberto novos horizontes, entre eles, um caloroso noivado com um checo, tempos depois. Houve, porém, muitas dificuldades com a língua estrangeira, mas que foram sendo superadas, claro, na medida do possível e do razoável.

O primeiro estranhamento ocorreu já na primeira noite. Após a longa e extenuante jornada, Geralda argumentou, como sempre costumava dizer, “Agora, quero tomar meu banho e descansar, também sou filha de Deus!”. E não foi diferente naquela ocasião, quando ela exclamou:

– Chega de malas! Quero descansar as pernas e ver minha novela.

Geralda foi à sala, ligou a televisão e procurou, em vão, a sua novela. Foi a sua primeira, mas não a única decepção, com a terra estrangeira. Em relação a esse imediato estranhamento, assim expressou o seu pesar:

– Mas, cadê minha novela? E que língua do cão é essa que esses diabos estão falando?