Obstinado, Bolsonaro vai ao fim do mundo, prescrevendo contra o Covid-19 a arma que ele acha ser decisiva no que ele próprio reconheceu como uma guerra. (Ilustração: Aroeira/Tijolaço)
Caso cloroquímica: prescrição política, inédita na história

Luiz Martins da Silva –

Fato inédito, um mandatário entrar no receituário e interferir em decisão médica. Num momento em que procura se defender de acusações de interferência na Polícia Federal, entra em conflito com a classe médica, desde os médicos ministros da saúde aos atos médicos extremos em face de um vírus para o qual o mundo inteiro tem a humildade de dizer que pouco sabe sobre ele, não tendo para o tal certezas, em prescrição e tampouco vacina à vista. Sobrepõe-se, porque como afirmou, trata-se de uma guerra. Em uma semana, o ministro-interino, um general, deverá apresentar ao chefe de Estado um protocolo de procedimentos quanto ao uso da cloroquina como arma poderosa contra o Covid-19.

Bolsonaro, que sempre diz não entender de economia, teima em entender de farmacologia. Mas, este não é o problema principal. O principal é que ele não aceita que ninguém discorde dele. E até já tinha um nome de acordo com a prescrição da cloroquina. Teich, no entanto, havia contribuído com os seus conhecimentos, quando da campanha. Mandetta entrou na história, a pedido do DEM. Agora, que seja alguém que não o questione acerca dos milagres da cloroquina.

Mesmo num momento em que os centros de ciência e pesquisa médica desautorizam a cloroquina, Bolsonaro aposta tudo nela. E, finalmente, vai ter alguém de acordo, até mesmo porque já mandou deslanchar a produção do fármaco no Brasil. Destaco que há médicos (não esses da linha de frente) que defendem ardorosamente o uso da cloroquina e ainda ressaltam que é de baixo custo. Argumentam que a oposição à mesma estaria ligada ao lobby de outros produtos, de altíssimo valor, novidade por conta de grandes fabricantes norte-americanos.

Quanto à cloroquina, contará com uma testagem em massa, no Brasil. Logo se vê, pois, se funciona. Os resultados têm de aparecer mais do que na urgência e na emergência, na extrema unção. Mesmo quanto ao momento de medicação, há divergências. Há médicos que dizem: a cloroquina, para o Covid-19, é indicada no desespero, ou seja, no vale tudo. Bolsonaro quer no entanto que seja utilizada precocemente, logo no aparecimento dos sintomas.

Na concordância com Bolsonaro, já foi chamada em Palácio uma infectologista, a sorridente senhora Nise Yamaguchi. Hi!!! (saudação japonesa). Nos bastidores corria uma lenda de que o fabricante brasileiro do remédio é um empresário amigo de Bolsonaro. Agora, a conversa é outra, é um assunto de segurança, quem vai produzir é o Exército. Aí, a saudação é outra, é continência, ou seja, obediência acima de tudo e de todos.

Detalhe para este momento: o ministro interno da Saúde já é um general. E as notícias mais recentes são as de que um “protocolo” a ser seguido para a cloroquina será emitido pelo Ministério da Saúde. Ou seja, prescrição médica vertical. Se nem o isolamento vertical foi aceito, esta outra verticalização pegará? A cada momento, os informes são de que o bicho que está pegando e matando é o Corona.

Não funcionando o receituário conforme a orientação do mandatário, via ministro-general da saúde, certamente haverá culpabilização de quem não aderiu. Parece estranho que isto crie situações políticas no cotidiano das UTIs. Não bastasse em alguns contextos os médicos terem de decidir qual paciente ficará com o respirador, terá de polemizar com um divergente acerca de uma decisão: cloroquina, ou não.