Neste momento trágico, o Presidente descola-se do ataque à pandemia (com mais de 7 mil mortos) e das conquistas democráticas. A cruz e a morte encontram-se na Esplanada dos Ministérios (fonte: Whatsapp).
Estado, governo e absolutismo

Luiz Martins da Silva –

Numerosas autoridades brasileiras não sabem a diferença, ou fingem não saber, e transmitem ao geral da população a ideia de que o presidente da República é uma espécie de chefe supremo. E que, entre outros privilégios, é, ele próprio, a Constituição. As outras instituições, Legislativo e Judiciário (e nele as polícias) estão a serviço do Executivo e, em especial, de si próprio.

Quando um presidente afirma que as Forças Armadas estão com ele, passa para o povo a incorreta noção de que elas são do Governo quando, na realidade, são do Estado. O mesmo acontece em relação a muitos outros recortes do Estado, como as Relações Exteriores e a diplomacia. Nessa esteira de confusão, por ignorância ou fingimento, subordinados, a começar pelos de nível ministerial, agem, emitem distorções e zombarias desqualificando e troçando de posições políticas contrárias, sejam as de comuns, sejam as de chefes de outros Estados, por vezes cometendo danos morais coletivos, tratando, por exemplo, a China e os chineses (nossos principais parceiros comerciais) simplesmente como atores do Mal, da maldade e da criação premeditada da pandemia, algo diariamente negado por cientistas de várias partes e centros de pesquisa.

Sabe o governo que tem limites, mas, testa-os a cada dia. A tática é a seguinte: num dia, pisa na fronteira do razoável; no dia seguinte, volta atrás e desautoriza, haja vista, manifestações ostensivas antidemocráticas. Neste momento trágico, o Presidente da República descolou-se do enfrentamento dos dois maiores desafios nacionais: o ataque à pandemia (com mais de sete mil mortos) e as conquistas democráticas. E daí? Desdenha para um lado; por outro, faz spoiling de ameaças: 'Esta semana vou pegar pesado!' Ele próprio adota atitudes nada sanitárias. Ele próprio ostenta ter com ele as tropas. Em ambos os casos, parece confiar que as marés do destino estão em seu melhor favor. O Brasil e o mundo estão mesmo dispostos a tolerar esse novo fenômeno de Absolutismo?