O secretário Bartolomeu Rodrigues disse que com a retirada dos recursos do orçamento, “hoje não consigo nem mesmo limpar os equipamentos públicos de uma pichação, por exemplo, porque não temos dinheiro”.
Cineastas repudiam cancelamento do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Romário Schettino -

Um grupo de 15 entidades que congrega cineastas e trabalhadores em audiovisual no Distrito Federal divulgou hoje (8/6) uma carta de repúdio ao cancelamento do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, anunciado pelo secretário de Cultura e Economia Criativa, Bartolomeu Rodrigues.

No documento, os cineastas (veja a íntegra abaixo) dizem que a alegação de falta de dinheiro não se sustenta, já que estava previsto no Orçamento. “O GDF alega que precisou contingenciar recursos para bancar medidas emergenciais de combate à Covid-19. Por que da Secretaria de Cultura, governador? Logo da prima mais pobre dentre as secretarias?”, perguntam.

Eles ainda afirmam que “a cultura é um dos setores mais atingidos pelo distanciamento social durante o combate à pandemia e esse cancelamento vem na contramão da recente aprovação, na Câmara Federal e no Senado, da Lei Aldir Blanc, uma espécie de socorro aos profissionais do audiovisual. O GDF deveria somar nesse sentido e não remar em sentido contrário”.

A Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV) marcou para quarta, 10/6, uma reunião de emergência para tratar do assunto.

O evento ocorreria em outubro e agora a Secretaria de Cultura deveria lançar os editais para convocar os interessados na disputa e estabelecer regras de participação. “Porém, com o orçamento contingenciado, ficamos sem um tostão furado para realizá-lo. Já comuniquei ao Grupo de Trabalho que há duas semanas se encarregou do planejamento, que infelizmente iremos cancelar o Festival”, disse Bartolomeu à imprensa.

Quem deu a notícia do cancelamento foi a jornalista Ana Maria Campos, do Correio Baziliense, na edição deste domingo (7/6). Essa triste novidade para produtores, atores, diretores e espectadores já provocou caloroso debate nas redes sociais.

Bartolomeu Rodrigues, o Bartô, disse que o motivo é que “o caixa da pasta está zerado”. Pelo que se sabe, a decisão de retirar a verba do orçamento foi do secretário de Economia, André Clemente Lara de Oliveira, que alega falta de dinheiro para o combate à pandemia.

Segundo o Correio, no orçamento da Secretaria de Cultura, havia R$ 3 milhões para o Festival de Cinema. Bartô acreditava que só gastaria metade com as despesas do evento. Mas mesmo esses recursos foram contingenciados pela Secretaria de Economia por causa do impacto da crise do novo coronavírus. “Hoje não consigo nem mesmo limpar os equipamentos públicos de uma pichação, por exemplo, porque não temos dinheiro”, acrescentou Bartô.

Como o orçamento virou fumaça, a ideia de realizar o festival de forma remota, com exibição dos filmes no drive-in, também foi desmanchada. Havia também conversas com a Netflix, Amazon, Facebook e Instagram. “Estávamos, é certo, muito animados e com possibilidade de realizarmos um festival totalmente diferenciado, instigante, inovador, fazendo jus à sua tradição”, afirmou Bartô à colunista do Correio.

Segue a íntegra da carta de repúdio ao cancelamento do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, assinada por 12 entidades do setor de audiovisual da cidade:

“Após a edição catastrófica de 2019, quando o Governo do Distrito Federal tentou censurar as manifestações no 52º Festival Brasília de Cinema Brasileiro, o evento sofre mais uma tentativa de desmonte. Alegando falta de verba para seu financiamento, o atual Secretário de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, Bartolomeu Rodrigues, o Bartô, anunciou o cancelamento, neste ano, do Festival de Cinema de Brasília, obviamente com a anuência do Governador Ibaneis Rocha (MDB).

A alegação de falta de recursos não se sustenta, já que os mesmos foram previstos em orçamento. O GDF alega que precisou contingenciar recursos para bancar medidas emergenciais de combate à Covid-19.

Por que da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, governador? Logo da prima mais pobre dentre as secretarias de governo? A cultura é um dos setores mais atingidos pelo distanciamento social durante o combate à pandemia e esse cancelamento vem na contramão da recente aprovação, na Câmara Federal e no Senado Federal, da Lei Aldir Blanc, uma espécie de socorro aos profissionais do audiovisual. O GDF deveria somar nesse sentido e não remar em sentido contrário.

O Festival de Brasília não é bancado exclusivamente pelo GDF. Recebe apoio de várias grandes empresas via leis de incentivo, que podem ser articuladas via Secretaria. São recursos que são injetados na economia local em função do Festival Brasília. Além disso, o Festival Brasília movimenta de várias formas a economia local: atrai pessoas de fora que consomem em hotéis, bares, restaurantes, transporte, visitas turísticas, etc.

É notória a importância do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro para o Distrito Federal e para o Brasil. É o mais antigo festival do gênero e um dos poucos dedicados exclusivamente ao cinema nacional. Ocorre anualmente em Brasília, no histórico Cine Brasília.

O cinema brasileiro, os cineastas de Brasília e o público que lota anualmente o Cine Brasília durante o festival, não merecem esse cancelamento abrupto. É uma má notícia que chega em um domingo de protestos em defesa da democracia e de tristeza pelos números absurdos da Covid-19 no DF e no Brasil (nacionalmente, são mais de 700 mil pessoas atingidas e mais de 36 mil mortes).

A notícia, dada em primeira mão pelo jornal Correio Brasiliense no domingo, 7 de junho de 2020, e, sem qualquer aviso prévio às associações de profissionais do cinema e do audiovisual de Brasília, entristeceu ainda mais o domingo no Distrito Federal. Há poucos dias atrás houve uma reunião das ditas associações com o Secretário Bartolomeu Rodrigues, na qual foi pactuado que haveria o Festival e logo em seguida foi montada pelo Secretário uma comissão de trabalho para tal. Segundo representantes das referidas associações, haverá tentativas no sentido de reverter essa decisão junto ao Secretário e junto ao GDF.

Outro ponto levantado pelo movimento cultural é que a realização do festival traria dinamismo ao setor e distribuição de recursos em cachês de seleção e prêmios a serem distribuídos de forma local e nacional, ou seja, o festival poderia sim minorar o impacto da crise que atinge principalmente o mercado cultural e não contingenciar tais recursos. Os produtores culturais e cineastas afirmam ainda que estão dispostos a discutir como será o Festival de Brasília em 2020: se presencial, online ou híbrido.

Dácia Ibiapina, realizadora e professora aposentada de audiovisual da Universidade de Brasília, afirma: “O FBCB é a principal vitrine do cinema brasileiro e congrega anualmente em Brasília os filmes mais importantes e mais instigantes do cinema brasileiro com seus diretores, atores, equipes técnicas. É um festival político e não pode deixar de ser já que ocorre na capital federal. 2020 promete. Com a pandemia da Covid-19, certamente vai se discutir no Festival de Brasília 2020 os impactos da referida pandemia no cinema e no audiovisual, além das políticas públicas de fomento ao setor, ou a falta que elas fazem, durante o governo Jair Bolsonaro, marcado pelo desmonte da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual. Desde 1965, quando foi criado o FBCB, ele só não aconteceu durante a ditadura militar: anos de 1972, 1973 e 1974. O sonho de todo cineasta do DF é ter um filme exibido no FBCB. Uma garantia de que o filme será visto e discutido no DF, no Brasil e até mesmo no exterior, tendo em vista que por aqui passam durante o Festival de Brasília curadores dos festivais mais importantes do Brasil e do mundo.”

O descaso com o cinema nacional se reafirma mais uma vez com a falta de articulação política por parte dos governos distrital e federal e sistemático desmonte dos espaços de interação e debates sobre o mercado audiovisual.

Em anos mais recentes, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro promove também um ambiente de mercado, onde empresas nacionais e internacionais comparecem para ver e adquirir direitos de exibição de filmes, séries e outros produtos/obras audiovisuais. O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro tem grande importância para o cinema nacional e não pode ser cancelado.

Os realizadores de todo o país estão se articulando, dentro e fora das redes sociais, para que garantir a realização da edição 2020. As nossas ações serão mais amplas e farão ainda mais barulho que as do ano passado, além de desencadear outros protestos. Afinal a história do festival se confunde com a história da cidade, não podemos deixar de realizar por falta de verba e articulação política!

O Festival de Cinema de Brasília é um patrimônio Nacional. Símbolo da Resistência do Cinema Brasileiro por décadas. Somos muitos em torno desta simbologia: público, trabalhadores, equipes técnicas, grupo de realizadores, produtores, exibidores, curadores, escritores e críticos. É necessário a nossa união em torno da realização do Festival. Chega de desmonte. Vamos transformar essa luta local em uma luta Nacional, uma luta pelo Cinema Brasileiro. O Festival de Cinema pode cumprir novamente seu papel histórico: Baluarte da Resistência contra a opressão e o desrespeito contra realizadores e trabalhadores do audiovisual”.

Assinam:
Associação Cultural FAISCA
Ceicine – Coletivo de Cinema em Ceilândia
Aspec – DF Associação dos Produtores em Economia Criativa
APAN – Associação dos Produtores Audiovisuais Negros
Cineclube Catraca
Cine Joaquim
Convergência Audiovisual
Festuni – Festival de Brasília do Cinema Universitário
Verberenas
ABCV – Associação Brasileira de Cinema e Vídeo
Movielas
API - Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro
Frente Unificada
Cineclube BCE/UnB
Cinecleo