Obra de Lis Marina Oliveira, uma das artistas que participam do 40Antenas e algumas parabólicas.
Os artistas visuais durante e depois do Corona

Romário Schettino –

O que estão fazendo os artistas visuais brasilienses durante o confinamento obrigatório provocado pela pandemia do coronavírus? Para responder a esta e outras perguntas, um grupo de amigos se reuniu para criar o projeto 40Antenas e algumas parabólicas - Uma forma de registrar presságios e rastros do isolamento social.

Depois de muitas trocas de ideias pelo Whatsapp e por outras ferramentas disponíveis no mundo virtual, o grupo chegou à conclusão de que deveria dar início a um processo de produção, seu registro e seleção de obras de artistas visuais da cena contemporânea de Brasília. Tudo para ser exposto na sétima semana dC (depois do Corona).

“O número 40 enfatiza uma licença poética ao fato de estarmos atualmente vivendo na quarentena”, diz Suyan de Mattos, coordenadora do evento, junto com Hilan Bensusan, na curadoria, e Cirilo Quartim na coordenação gráfica. O acompanhamento crítico é da experiente curadora Marília Panitz.

Como o registro do processo criativo é peça importante, os 40 artistas convidados trocam ideias pelo Whatsapp, enviam o produto de seus trabalhos para um banco de dados no google drive e disponibilizam os vídeos e as fotos da produção no Instagram (40antenasdc). O elo entre todos eles se dá por meio da tecnologia disponível na internet, como o que utilizamos para viabilizar esta entrevista.

Como é produzir no confinamento e como vocês esperam encontrar as pessoas no futuro?

Marília Panitz – O isolamento está fazendo com que as produções tenham um entrelaçamento interessante, todos estão trabalhando em suas casas, mas interagindo no Instagram e no Whatsapp. Os artistas vêem as imagens e os vídeos daquilo que todos estão fazendo. O Cirilo Quartim criou também um banco de dados no google drive onde os artistas vão arquivando seus processos criativos/históricos. Assim vamos desenhando o que será essa exposição, que pensamos levar para a passagem subterrânea da 109/209 Sul de Brasília. O Hilan, a Suyan e eu estamos acompanhando os registros da produção poética fruto do isolamento.

Cirilo Quartim – O google drive é o lugar onde estão sendo depositados os trabalhos individuais para serem submetidos à curadoria e ao acompanhamento crítico da Marília e, assim, chegarem à exposição. O Instagram é o lugar onde são colocados os processos, o que cada artista está fazendo enquanto produz na quarentena. Pode ser, por exemplo, o que faço enquanto realizo uma pintura, os bastidores deste trabalho. (Abaixo, obra de Cirilo Quartim)

Por que a 109/209 Sul?

Hilan – Quando começamos a pensar no projeto era importante saber quando, como e onde os trabalhos seriam expostos. Não tínhamos como especificar datas porque estamos numa pausa que não sabemos quanto tempo vai durar. Definimos apenas que será na Sétima Semana dC (depois do Coronavírus. Não sabemos exatamente o que será, é uma espécie de mensagem jogada ao mar. Como não podemos especificar nada só podemos dizer que vai ter um depois, que será fora de nossas casas. E aí pensamos: o que é tipicamente fora em Brasília? As ruas do Plano Piloto? Elas não são tão pedestres. Por isso, pensamos nas passarelas subterrâneas, e na 109 Sul, que tem uma história, perto do Beirute etc. Ao mesmo tempo a passarela é um lugar fechado, confinado e, ao mesmo tempo, é uma rua. É como se fosse a chegada do sol, daí a ideia de escolher uma passarela, uma galeria pública.

Marília – Então, todo esse trabalho ficará ali na passarela durante 24 horas e depois irá para a Galeria deCurators, na 412 Norte, que é nossa parceira.

Cirilo Quartim – Além disso, vamos produzir um catálogo com todo o trabalho realizado. Um registro importante para a história.

Os artistas de maneira geral estão sofrendo restrições com a quarentena, muitos estão sem remuneração por seu trabalho. Como o artista plástico sobrevive?

Marília – O que eu tenho notado durante esta quarentena são as laives. Muitos artistas estão mostrando na internet suas criações e seus pontos de vista. Alguns museus estão fazendo isso também, colocando na rede seus acervos. Há muitos leilões virtuais etc. Essa é uma forma do artista ganhar dinheiro e fazer circular recursos onde não está chegando.

Hilan – Depende muito do tipo de trabalho que a pessoa faz. Há quem trabalhe em ateliê, mas a ideia do projeto é refletir essa mudança, já que não se sabe quanto tempo vai durar o confinamento. Nossa iniciativa é refletir sobre a necessidade da presença. Eu, por exemplo, que trabalho com performance preciso do público. Como o teatro, também preciso da presença física. Uma performance filmada não é exatamente uma performance. Essa é uma mudança enorme, ninguém vai pensar sobre isso melhor do que a gente mesmo. Talvez o mundo nunca mais volte a ser como era. Essas marcas estarão presentes de alguma maneira no depois de tudo isso que está acontecendo. A sobrevivência é um problema, há quem tenha fontes de renda independente e outros que vivem situações dramáticas.

Mas como sobreviver se não há mercado nem financiamento público?

Marília – Esse é um problema, há artista que produz independentemente do mercado. Esses, especialmente, dependem do financiamento. Algumas instituições privadas e estatais estão publicando seus editais para dar um respiro neste momento de quarentena, como o CCBB, o Itaú Cultural, o Fundo de Apoio à Cultura (FAC). O Museu Nacional de Brasília também está pensando em algo que possa movimentar a área das artes plásticas nas redes sociais, já que ele está fechado e não pode ser visitado. Os museus, em geral, estão voltados para tours virtuais e cursos online que são muito úteis.

O que vocês acham da crise na política cultural brasileira? A secretária nacional, Regina Duarte, não consegue emitir sequer uma nota de pesar pela morte dos grandes artistas. O que esperar disso tudo?

Marília – Eu não esperava nada diferente num governo como esse que está aí. Cultura é a raiz de toda subversão existencial, para eles quanto mais isso não existir é melhor. Eu fico mais voltada para o que fazem as instituições que não estão ligadas diretamente ao governo federal. Aqui em Brasília tivemos, por pressão do movimento cultural, a troca do secretário de Cultura, Adão Cândido, por outro muito mais interessante, que é o Bartolomeu Rodrigues, que embora não seja um cara da área, está disposto a ouvir as pessoas. Acho que o Bartô está fazendo alguma coisa. Não que esteja tudo resolvido, claro que não. Eu não quero dar uma de Poliana, mas vejo iniciativas da sociedade civil como positivas. Ou se faz alguma coisa ou vai tudo por água abaixo. O objetivo do governo federal é acabar com toda e qualquer atividade criativa que não esteja de acordo com seu ponto de vista. Por isso eu acho que a nossa salvação está em ações locais.

Por que não uma secretaria da Cultura regional, como o que os nove governadores do Consórcio Nordeste fizeram quando criaram o Comitê Científico, que está cuidando da pandemia?

Marília – Pois é, nos discursos do neurocientista Miguel Nicolélis, que coordena esse Comitê Científico, a cultura está presente. A cultura faz parte de qualquer postura mais humanista.

Hilan – Eu acho que esses governos vão sofrer um baque depois da quarentena. As pessoas não vão sair da mesma forma que entraram no confinamento. As relações entre as pessoas serão bem mais fortes para enfrentar o desmonte que está acontecendo de maneira geral no país. A vida pública, urbana, a participação política vai ficar mais intensa com a presença da arte, dos filmes, das imagens. A gente não vai se relacionar com tudo isso da mesma maneira. (Abaixo, performance de Hilan Bensusan, foto de Annarkista de Cristo)).

Vocês acham que os artistas sairão dessa quarentena mais unidos?

Hilan – Não sei se mais unidos, mas mais necessitados. Talvez haja uma união temporária.

Cirilo – A arte na quarentena virou artigo de sobrevivência. Você vai escutar uma música, seguir uma série, ver mais filmes. Já está havendo uma revalorização de tudo isso, um reencantamento. As pessoas que não ligavam para a arte estão vendo como os artistas são fundamentais para a sanidade mental e para a sobrevivência do Planeta. Eu comecei como pintor, cheguei à intervenção urbana e agora, no isolamento, voltei para a pintura e refiz o meu ateliê, comecei do zero. Foi bom ressignificar minha vida artística aproveitando a temática da pandemia.

Hilan – Essa experiência coletiva, ainda que separados, compulsória, é rara na humanidade. É experiência de parar, não ficar no ritmo frenético, ter dor, mas ter tempo, ter medo, mas ter tempo. É um novo portifólio de sentimentos compartilhado por muita gente. É uma interrupção coletiva. Isso vai deixar marcas.

Marília – Já temos várias experiências na forma de circulação da produção artística. O cinema está mais avançado com os canais que exibem filmes. A música junta músicos em várias partes do mundo para uma edição primorosa, como essa do chorinho tocado pela família Ernest Dias, produzida pelo Instituto Moreira Salles. Tem uma amiga, atriz, que está se perguntando o que fazer. Eu disse a ela, você vai ter que descobrir.

Cirilo – O Hilan falou sobre essa ideia de fazer uma performance na internet. Ou seja, não deixa de ser performance. É como o café descafeinado, não deixa de ser café. Mas ele pode explicar melhor que eu.

Hilan – Eu já discuti isso no coletivo internacional de que participo. Uma coisa é você fazer um vídeo de uma performance na rua, com público. Outra coisa é uma laive, que você tem um elemento aleatório de pessoas que estão ali junto com você. Quando você faz uma performance numa laive, seu trabalho já se transformou. Na rua, é diferente, as pessoas podem agir de um jeito ou de outro. A performance é quente nesse sentido, mas é justamente essa variedade da presença que a gente está sendo obrigado a pensar neste momento.

Os 40 e alguns artistas convidados, por ordem alfabética, são:

Ananda Giuliani
Bárbara Paz
Camila Cidreira
Capra Maia
Carlos Lin
César Becker
Cintia Falkenbach
Cirilo Quartim
Cleber Cardoso Xavier
Danna Lua Irigaray
Gabriela Mutti
Gisel Carriconde Azevedo
Hieronimus do Vale
Hilan & Aha Non
Iguinho Krieger
Isadora Dalle
Jamila Maria
Jean Peixoto
José Roberto Bassul
Julio César Lopes
Lara Ovídio
Laura Dorneles
Leopoldo Wolf
Lino Valente
Lis Marina Oliveira
Luciana Ferreira
Luciana Paiva
Ludmilla Alves
Luisa Günther
Léo Tavares
Marcelo Campos
Márcio Borsoi
Mariana Destro
Mateus Lucena
Matias Mesquita
Nivalda Assunção
Nyuki
Rafael da Escóssia
Raísa Curty
Raissa Studart
Romulo Barros
Suyan de Mattos
Thalita Caetanoo
Tumulto – Natasha de Albuquerque e Fernando Carvalho
Valéria Pena-Costa
Zuleika de Souza
___________________
Ficha técnica:
Curadoria: Hilan
Bensusan & Suyan de Mattos
Acompanhamento crítico: Marília Panitz
Coordenação gráfica: Cirilo Quartim
Música: Phill Jones