Quem tem medo dos independentes?

Angélica Torres (*) –

Pense: por que jornalistas da mídia independente não são convidados a participar dos debates eleitorais, que o monopólio da mídia corporativa organiza (e imitando, sempre imitando, os norte-americanos)? Por que são ignorados influencers, como, por exemplo, vá lá, um Felipe Neto?

Vão dizer, “claro, não querem concorrência com o novo que chega abalando sua tradição de o dono do pedaço”. Mas então por que, e como, são escolhidos os repórteres que vão formular perguntas e que não trabalham na empresa que aparelha o programa?... Isso, valendo também para alguns outros programas de entrevistas.

Mais: e com base em quê essas TVs da grande mídia acham assim tão importante, que, às vésperas das eleições, ocorram esses debates, vazios, que nada acrescentam ao público sobre os candidatos, pelo formato em si e pelo tempo escasso para se colocarem? Pra que esse espetáculo de horrores, que envergonha e humilha, enfurece e estressa tantos eleitores – que dirá o candidato de maior aceitação nas pesquisas?

Perguntinhas ingênuas, estas? E é ingênua essa grande mídia, servil ao grande capital, como são também pueris as perguntas que seus repórteres dirigem aos candidatos? Reflitamos se são obrigados a dar uma de joão-sem-braço, ou se seriam gado manso, treinados para serem assim cordatos aos patrões, por medo de perderem seus empregos? Uma amiga inteligente, curiosa, ativista, aflita, me disse ontem estar notando que todos os veículos estão colaborando para que o “bolsonero” ultrapasse o Lula.

"Há uma semana observo atentamente a publicidade gratuita e obrigatória em diversas rádios, privadas e públicas; todas cortam as partes finais do Lula, onde ele pede que votem no 13. Isso deve ser um acordo secreto”, disse ela.

Respondi que não é secreto, mas escancarado. A primeira verdade que se aprende nas boas faculdades de Comunicação, em disciplinas como Jornalismo Comparado, é o conluio dos donos do conglomerado da grande mídia com o alto empresariado. – Quem como você faz a análise comparativa por observação, flagra, enfatizei.

Ingênuos?? – De modo que não dá pra sermos ingênuos, nem como jornalistas nem como cidadãos. O complô tem estado às claras na nossa cara, não é preciso mais silenciar a imprensa, como fizeram os militares da ditadura, durante os anos de 1964 a 1985. O autoritarismo evoluiu...

A mídia atual é um dos cinco pilares, junto com o parlamentar, o judiciário, o policial e o empresarial, que sustentaram o golpe ao governo Dilma e à candidatura do ex-presidente Lula, comandado por Michel Temer, Eduardo Cunha e similares, “com o Supremo, com tudo”, nas eleições de 2018 que levaram Jair Bolsonaro ao poder. Lembram-se?

Quem ainda insiste em acreditar que isso é “conspiracionismo” da esquerda?

Ora, e o modelito também é importado (melhor: imposto, como também foi a ditadura de quase meio século atrás): está disponível no youtube o documentário "Como iniciar uma revolução" (de 2012), sobre o gênio do mal Gene Sharp, autor dessa estratégia, que cooptou inúmeros países para atender, ou continuar atendendo, como no caso do Brasil, aos interesses dos Estados Unidos.

Reportagem de uma jornalista do Washington Post circula nas redes, via portal do independente DCM, sobre a parvoíce dos repórteres americanos durante a cobertura da campanha e do governo Trump, lamentando a realidade de sua possível volta às próximas eleições. Não deveríamos precisar de conselhos do gênero. Não vivemos tempos de paz, quando todos os tons são de cinza, mas tempos de preto e branco, tempos de guerra, da extrema direita contra a esquerda e a antiga direita, os contrastes são visíveis e cada vez mais ameaçadores.

 Os de nítidos juízo e raciocínio, temos sim de tomar partido, de abrir os olhos e de, sem medo, nos engajar. Quando, às vésperas das eleições, as grandes emissoras de TV cismam de isoladamente convencer os diretores de campanha a levar seus candidatos para (se) debaterem, e o que se assiste são ataques caluniosos do candidato-algoritmo ao virtual favorito, é de graça, é de bobeira, o show? Não há algo por trás e os jornalistas, ali, fazendo o trágico papel de traíra de seu próprio país?

 E quando o candidato favorito nas pesquisas se comporta de forma cortês, sem reagir à altura nem enfrentar às provocações de seu adversário-inimigo, vemos que enorme parte da torcida não aceita mais bola na trave e nem fora do campo de batalha. A plateia espera vigor da parte do candidato Lula, até porque ele não poderá, mesmo, contar com passes de bola, por parte dos que promovem a empreitada.

 Caro Presidente Lula, ninguém quer que o senhor perca a sua elegância, a diplomacia, a antológica habilidade em se desvencilhar das baixezas com que tentam lhe atingir os seus inimigos. Mas ninguém tem todas as cartas na mão para comandar o jogo que o senhor, sem precisar repetir exaustivamente o que sabemos dos seus feitos no país e que quer voltar disposto a fazer ainda melhor, agora. Vê, não seria o caso de ensinar “Ave Maria” a Papa, é apenas uma respeitosa sugestão. Ouço a sua voz com a inflexão no tom que ninguém mais que o senhor sabe a exata impostação:

 “Ô Bolsonaro, quem é você pra me taxar de corrupto, se dê ao respeito que o cargo máximo lhe exige! Eu fui absolvido de todas as acusações, pelo mesmo STF que me condenou a 580 dias de prisão e você nos pasma por ainda estar nadando de braçada em seus horrores: as casas compradas com dinheiro vivo; as famosíssimas rachadinhas; suas abjetas ligações com milicianos e assassinos; o gabinete do ódio de onde você e seus filhos espalham fakenews hediondas contra mim e meu partido, bebendo na cartilha de Steve Bannon, o marqueteiro do Trump; a destruição contínua dos direitos do povo trabalhador brasileiro; as ofensas imundas que arrota diariamente contra pobres, negros, indígenas, mulheres, LGBTQ+ e jornalistas; a destruição da economia brasileira; a absoluta imoralidade de sua conduta no recente episódio com as moças venezuelanas; céus!, e o escárnio do “sigilo de 100 anos”! É uma lista sem fim de crimes cometidos e todo mundo vê, o planeta inteiro sabe e se horroriza.

Não vim a debate pra me defender de seus embustes e afrontas, respeite o povo brasileiro! Apresente propostas, se você tem alguma decente para apresentar; se não tem, vai morder a língua e morrer do seu próprio veneno, porque vou ignorá-lo e os que me assistem só vão me ouvir falar dos meus planos e do cuidado com que vou restaurar os danos que você causou ao país. Estou lhe avisando e à direção da emissora que me convidou para este programa.”

Pronto! Colocado assim, de início. Que tal? Mas lembre-se de falar também de seus projetos para o Jornalismo Independente e o Comunitário e para a Internet, esse território ainda pré-histórico, sem lei. Como importante pilar da edificação de um país, não se pode abdicar dessas prerrogativas. Então, até os próximos debates. Boa sorte!
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(*) Colunista do blog brasiliarios.com e do portal Vermelho, independentes.