Angélica Torres: “Em que ouvidos políticos ecoarão as vozes dos líderes do Xingu e do pranto de seus povos golpeados?" (Foto de Mila Petrillo).
O Quarup em Yawalapiti

Angélica Torres (*) –

Descanso na oca do Cacique.
Paira por toda a aldeia o peso do silêncio.
O astro que Aritana falou de manhã
à imprensa desponta no céu :
estrela primeira de agosto.
Mandala o traçado da maloca.
Harmonização num campo de força.
O Quarup nascendo em Yawalapiti.

Os lamentos começam lentos
no velório sagrado.
São seis toras de árvores com fitas
vermelha preta e branca tramadas
e seis penas no alto dos totens.
Nus os corpos pintados para o culto.
Curumins conversam sentados
no chão de poeira fina e rala
enquanto crescem lamúrias e gemidos
adultos em mansa catarse aos mortos.
No choro ecoam os sons da terra.
No fogo da noite dos estrelos
queimam-se os espíritos que a brisa
sopra ao céu do Mato Grosso.

Índio eu respeito a sua cultura.
Impossível não ser arrastado
pelas lágrimas do Quarup.

Encontrei o Brasil
mas as palavras ocultam
o que se sente e viu.
O cão indígena com os pequenos
no altar dos lamentos atentos ao
misto de velório festa magia sagração.
Um longo e balsâmico cigarro
de erva enrolada em palma
passando de mão em mãos.
Há paz permissão liberdade
que o branco sabe que existem
pois conhece o cerrado a savana
a mata misteriosa em dilatada solidão.

E os detalhes se perdem no imenso
de areia da aldeia. Já não se pensa
em quantos povos vão chegar
se há redes para todos aninhar.
O choro aos antepassados não para
e não se quer abandoná-los.
Ímpios caraíbas no aconchego familiar
do Quarup sob a estrela de agosto em Yawalapiti e o preço da posse
lentes e luzes curiosas
penetrando o rito estuprando o mito.
O sangue da intimidade desvirginada
desde as lutas pela terra às dores
de lutos e de partos.

Em que ouvidos políticos ecoarão as vozes
dos líderes do Xingu e do pranto de seus povos
golpeados?

(Agosto 1985. ATLima)
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(*) Tive o privilégio de entrevistar Aritana e de dormir em sua casa quando fui cobrir o Quarup no Xingu, há 35 anos, como repórter da Voz do Brasil setorizada no extinto Ministério da Cultura. Uma perda enorme. E a Covid deixando aqui tantos vasos ruins... O tempo escorrendo entre os dedos.