Angélica Torres: “Se Evo Morales tivesse lido o ´Bhagavad Gîta´, talvez não entregasse o seu país e povo aos hermanos-patrícios desalmados. Mas Evo é indígena e não indiano. Segue outra cosmogonia, outros rituais, outra fé”.
Evo Morales, Krishna e as Américas no épico

Angélica Torres –

Sinopse da ópera: o último pedido de Evo Morales ao povo boliviano, antes de renunciar para evitar banho de sangue, foi de garantia de convivência pacífica com o fim à violência – "não podemos nos enfrentar entre nós, os irmãos bolivianos", justificou. No entanto, os golpistas continuam a perseguir e abater indígenas e lideranças populares: os ataques não cessaram mesmo com o presidente renunciado.

Meditando na moral da História: se Evo tivesse lido o "Bhagavad Gîta", talvez não entregasse o seu país e povo aos hermanos-patrícios desalmados. Krishna teria, como fez a Arjuna nesse poema épico da milenar mitologia hindu, incentivado a guerra aos familiares do clã a que ele pertencia – e o derramamento de sangue por consequência –, mas não por ser, ele, Krishna, uma divindade diabólica.

Arjuna era da casta dos guerreiros, que cumprisse, então, com o destino daquela sua encarnação. E que se dedicasse aos métodos pra se encaminhar à casta dos espiritualistas na nova encarnação, ou que aprendesse a técnica para sair da roda espiralada de existências terrenas e entrar na felicidade eterna do éter criador.

Mas Evo Morales é indígena e não indiano. Segue outra cosmogonia, outros rituais, outra fé. E claro que a guerra entre os clãs alegada no poema é uma metáfora da incessante luta existencial do ego com o Eu superior. Mesmo assim, o tal ensinamento é universal e vale também aplicado à matéria. À luz antológica de Krishna concluo, assim, que guerreiro o grande Evo não é.

Estaria o estadista indígena no topo das quatro linhas ascendentes de castas (servo, comerciante, guerreiro e espiritualista), mas deixando seu povo entregue à sanha dos ímpios da vez histórica – ao contrário dos venezuelanos, equatorianos, chilenos, cubanos? Seria ele mais hermano dos brasileiros atuais: pela paz a todo custo, sem lançar mão do esforço de combate?

É um jogo de xadrez o cenário de guerra que se apresenta à América Latina (como era também o campo de batalha do Gîta). Os países que se põem em favor de sua soberania resistem, mas até quando estarão se impondo à onda fascista que o cafona, caquético Donald Trump impulsiona, assessorado por Steve Bannon, no jogo do poder mundial narcisista e desvairado?

É guerra declarada por ele ao continente, invadindo inicialmente através da "rede fake", em que todos estamos enredados. Acenar e ordenar a volta do regime militar aqui na América do Sul e no Caribe? É preciso que alguém diga ao Trump: Caro, larga desse seu mau gosto. Deixa de ser besta e vira homem, se comporte, antes que a manhã já te seja muito tarde.

Precisam também dizer a ele que faça como Mallarmé: leia os "Upanishads", chegue até o "Bhagavad Gîta" e depois reinvente a roda da fortuna com nova linguagem e feição, como o poeta fez com o poema "Um lance de dados", e muito mais finesse, beleza e elegância do que a sua miséria espiritual permite.

Mais ainda, que seja expulso da cola da nossa América junto com os seus vassalos, os traidores lesa-pátria, comprados em cada um dos países perseguidos, que se prestam ao papel ainda mais vil de caçar, torturar e assassinar os seus mais desamparados patrícios.

Temos um grande líder de volta à ativa no pedaço e muito o que fazer por todo lado. São nossas, agora, a vez e a hora.