Angélica Torres: "Proliferam-se os vis interesses que beneficiam os mesmos de sempre, a pirataria desvairada solapando tudo". (Ilustração: Fernando Costa Filho).
Ou ficar a pátria livre ou lutar pelo Brasil

Angélica Torres –

Aqui matutando, direto no ponto: cada um de nós vai ter que desenvolver uma ou mais responsabilidades coletivas, de acordo com nossas faculdades pessoais, porque: se o país tem hoje uma quantidade x de desempregados e entre esses há uma grande massa de cidadãos em idade de procriação – e que irão procriar, o que é natural, a vida é imperiosa e segue em frente –, a miséria se alastrará rápida e desgovernadamente entre nós no futuro próximo.

Isso, sem falar nas crianças e nos adolescentes de agora, os explorados e os que ainda vão entrar no mercado, que serão os novos proletários da pátria amada. Assim, sem perspectivas para a recuperação do emprego e do salário nos horizontes de um país continental, a ameaça do caos se avulta e quando despertarmos para a dura realidade, será tarde demais.

O pior é que sabemos bem disso, então, convenhamos: se não se tiram os larápios que estão no poder, se é para aguentarmos sufocados, humilhados, vilipendiados, sabe-se lá quantos anos mais, com a política de golpes que aqui se instalou, temos de agir logo, de algum modo, em socorro.

Ou será que a faísca de uma grande insurreição, como acenou o jornalista Bob Fernandes na entrevista com Lula, poderá ainda ocorrer, contra a letargia em que estamos imersos? O país vai se armar e enfrentar milícias, polícia, lava jato, o Judiciário e o Congresso coniventes, os Estados Unidos com a CIA e o sistema financeiro internacional, todo esse aparato que vem nos impingindo o naufrágio diário? Não vai. Não tem se mexido. Não tem condições para tanto, esgotado, apático, impotente, perdido que está – e temos consciência de tudo isso.

Se nada se faz, se nada acontece, uma via alternativa de resistência, uma contribuição inteligente ao Brasil, como diriam Caetano e Gil, precisa surgir. Todas as áreas, todas as faculdades humanas, como poderiam atuar com afinco, neste momento cruel, em função da ideologia à esquerda, que pensa no coletivo?

Sempre me cismou que, a despeito da aritmética ter quatro operações, a economia achou de firmar a base das possibilidades existenciais na subtração e na má divisão. Por que não buscarmos nos assentar na soma e na multiplicação? O que a ciência humanista poderá fazer neste sentido pelo país desvalido? Os do saber, da pesquisa, a universidade, como poderão desdobrar as fibras da inteligência para não deixar a miséria nos dominar e nos engolir?

Urge estudarmos muito uma forma de trabalhar com criatividade em prol da coletividade, para obtermos a multiplicação do necessário geral, já que governo não há mais; em acepção alguma do que se concebe como governo. Como uma economia alternativa poderá progredir fora do sistema que está nos massacrando?

Verdade que há pessoas que, individualmente ou em grupos, têm desenvolvido iniciativas solidárias. Mas o que os profissionais em geral têm a oferecer? Sociólogos, agrônomos, comunicadores, professores, matemáticos, engenheiros, arquitetos, médicos, advogados, artistas, psicólogos e até mesmo estudantes e aposentados? Alguma coisa temos rapidamente que fazer, porque todo o atendimento volta-se novamente à nata.

Proliferam-se os vis interesses que beneficiam os mesmos de sempre, a pirataria desvairada solapando tudo -- e lembrando que para essa elite, a massa pode se desmilinguir no desemprego, que não lhes fará diferença. O lastro dos ricos é vasto. Viverão, folgazões, como baratas pós-bombardeios atômicos. Já as escassas condições dos demais nos mostram um quadro desolador do direito à vida.

Se não se parte para a luta, se já se observou que ir para a rua em protestos é muito bonito e forte, nos revigora mas não surte efeito, então, é necessário começar a pensar em algo efetivo. Vamos começar a nos reunir em grupos para pensar juntos, arregaçar as mangas e buscar picadas diferentes de resistência ou ficaremos, e só os mesmos poucos de sempre, apenas na "festa" das manifestações e nas lamúrias, enquanto as instituições dão de ombros e cidadãos se alienam perante o descalabro?