A maestrina Simone Menezes colaborou com Sebastião Salgado na seleção de 45 movimentos da obra Floresta Amazônica, de Villa Lobos
Anotações de uma viagem a Londres - I

Maria Lúcia Verdi –

Encontrar em Londres o Brasil que amamos e nos orgulha. Na Tate Modern, templo da arte contemporânea, na sala dedicada à poesia visual, alegro-me ao ver o antológico poema Lygia finge, do nosso Augusto de Campos, dedicado à sua companheira de vida. Escutei, com prazer de voyeuse, um casal francês ler e tentar compreender o poema, a complexidade ao mesmo tempo poundiana e lírica da lavra de Campos.

Na Sala São Paulo, dedicada à nossa Bienal, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Sérgio Camargo, Felicia Leinier entre outros, bem como o Manifesto Neo-Concreto. Um Brasil respeitado, admirado, que vive na memória.

No grandioso Barbican Center, assisto ao Amazonia in concert, com a presença do nosso Sebastião Salgado. Salgado explica a criação do evento em um inglês correto, falado com o ritmo e a gestualidade brasileira, algo que Eça de Queiroz aplaudiria, ele que dizia devermos falar línguas estrangeiras corretamente, mas com o acento da língua de origem. Nosso acento. Nossa identidade. Como dói ver tudo isso como que perdido, descaracterizado.

O concerto inicia com o Prelúdio das Bachianas nº 4, seguido de  Metamorfose, da Águas da Amazonia, de Philip Glass. A seguir Salgado conta sobre o projeto, feito a partir de ideia da poderosa Maestrina brasiliense Simone Menezes, que selecionou movimentos dos 80 minutos da Floresta Amazônica, do nosso Villa Lobos, apresentando 45.

A projeção das fotos de Salgado dialoga perfeitamente com trechos selecionados da sinfonia, trabalho de ourives obsessivo, que Salgado diz ter feito ouvindo centenas de vezes a composição. Lê-se no programa que o fotógrafo e Menezes acreditam que Villa estaria contente com o resultado, mais do que ficou com o filme Green Mansions (1959, com Audrey Hepburn e Anthony Perkins), para o qual ele fora contratado para compor a trilha sonora. Sem experiência com cinema, compôs uma sinfonia com as imortais cantatas, que terminou sendo pouco aproveitada na edição do filme. A já reconhecida internacionalmente (e também nossa) soprano paulista Camila Tittinger (na foto, abaixo) e a orquestra Britten Sinfonia dão vida à genialidade do compositor carioca, trazendo os sons e os cantos da floresta até nós.

Ao rever algumas das fotos aéreas da Amazônia, lembrei-me imediatamente de algumas das pinturas de Turner, o excelso pintor inglês, expostas na Tate Britain. A mesma busca de uma luz transcendente, abstrações de nuvens, águas e chuvas que compõem quadros inesquecíveis.

Emoção rever Turner e suas paisagens, tantas vezes inacabadas, patrimônios da alma inglesa, e associá-las a um patrimônio nosso, um espaço que deve permanecer como está, sem mais modificações. Pintura é uma coisa, natureza é outra, quanto menos interferirmos nela, mais continuará a nos brindar vida.

Ao apresentar o projeto, Sebastião expôs seu compromisso com a questão ambiental, com a defesa da Amazônia, e estimulou os presentes a se engajarem no tema, afirmando sua esperança de que, com a pressão de todos, possamos salvar um espaço que deveria ser sagrado para a humanidade.

Salgado veio inaugurar a mostra Amazônia em Londres, Paris e Roma. Mostra que expõe a Amazônia viva, não a destruída, um hino de amor, à “beleza intocada como deveria ser”, como diz matéria de jornal brasileiro.

A exposição estará no Museu do Amanhã, no Rio, oportunamente em julho do próximo ano, ano de eleições. Chamar a atenção para o descaso com a Amazônia mostrando sua riqueza será a contribuição de Salgado. Para que nossa floresta e sua gente resistam é indispensável proteger os povos originários e reflorestar, como fez o Instituto Terra - dirigido por Sebastião e sua mulher Lélia Warnick Salgado - em Minas Gerais, na fazenda familiar que estava destruída devido a criação de gado.

A exposição e o concerto alertam em Londres, no Museu da Ciência, às vésperas da COP 26, a conferência do clima, para a urgente necessidade de ações efetivas de proteção e não apenas discursos que postergam ações.

As fotos de Salgado (uma delas, abaixo), como se sabe, são produto de uma edição extremamente trabalhada, um esmero estético que fez com que angariasse “inimigos”, os que acham pouco ético mostrar tanta beleza onde há miséria, dor, abandono, invasão. Salgado, como Turner, mostrando as maravilhas da natureza, estará dizendo, como na cultura grega, que o Belo, o Bom e o Verdadeiro se equivalem, que é preciso lutar por valores. Valores nossos.