Eric Meyer: “Para o nosso futuro desenvolvimento mental e cultural, nenhum país pode prescindir de um diálogo com a China, que também precisa muito de nós”.
A China vista por um francês em Pequim – Parte II (Final)

Maria Lúcia Verdi –

Publicamos hoje a segunda e última parte da entrevista com o jornalista e escritor francês Eric Meyer, diplomado em Filologia Germânica pela Sorbonne. Desde 1996, Eric apresenta a China para o Ocidente por meio de sua newsletter Le vent de la Chine, que trata de todos os aspectos da vida naquele complexo país e é referência para os interessados na República Popular da China (RPC). É autor de dez livros sobre a China, o primeiro, de 1989, sobre o massacre de Tian´anmen e o último, de 2013, sobre o Tibet. Escreve o blog Le vent de la Chine

Participaram dessa coletiva Fernando Reis, embaixador aposentado, autor de “Caçadores de nuvens – em busca a diplomacia” e de “Por uma Academia renovada – formação do diplomata brasileiro”, além do romance “Falta um cão na vida de Kant”; José Alberto Bekinschtein, economista e professor argentino, autor de “China – um mundo para os negócios”;  responsável pelo Setor Econômico da embaixada daquele país em Pequim entre 1981-86 e 1998 a 2006; João Lanari, diplomata aposentado, professor de cinema e ensaísta, viveu em Pequim entre 1992 a 95; Ricardo Portugal, diplomata, poeta e tradutor, viveu por quase dez anos entre Pequim, Shangai e Cantão; Angélica Torres Lima, jornalista e poeta, autora dos livros Solares, Paleolírica e O poema quer ser útil; Antônio Carlos Queiroz, jornalista e cronista; Humberto Brasiliense, educador, músico e poeta  e nosso editor Romário Schettino.

Fernando Reis – O povo chinês está mais feliz agora com a "modernização"? Em 1974 estive na China. O país ainda estava no meio da Revolução Cultural. Apesar de seus erros, as pessoas eram orgulhosas e saudáveis, embora pobres e austeras. Voltei para a China em 1978, 1982 e 1994. Cada vez era diferente. Isso me impressionou muito, não apenas por causa do progresso. A China era mais poderosa, mas os chineses pareciam menos felizes. Isso é inevitável? A neurose capitalista realmente contaminou a China?

Eric Meyer  – Excelente pergunta. Na verdade, você está fazendo duas perguntas: "chinês feliz?" e "neurose capitalista"? Sua segunda formulação sugere claramente uma premissa "rousseauista", a do mito do "bom selvagem" pervertido pela civilização. Mas não me parece estar em conformidade com a realidade do terreno e com a história chinesa. Então, estou tentando responder: de acordo com pesquisas do instituto "Pew" dos EUA (cito de memória), 90% dos chineses dizem estar felizes - e 95% dizem confiar no governo. Mas se arranharmos a superfície dessa quase unanimidade, aparecerão nuances importantes. Por exemplo, a impressão de felicidade deriva menos da sabedoria oriental, da arte de se contentar com o que se tem, do que de um constante aumento no produto nacional bruto de 10% ao ano por 30 anos. Mas este ano, o aumento será de apenas 2,6% no máximo, e os chineses já estão começando a consumir menos, para economizar dinheiro para os momentos difíceis de amanhã.

Uma segunda razão para dizer que você é feliz tem a ver com tradição, com o fato de que, na cultura chinesa, você não tem o direito de reclamar. De fato, a questão da felicidade é uma questão ocidental, que os chineses não se perguntam: vivem sua vida dia após dia!

Outra razão bastante bizarra para esse sentimento de satisfação que os chineses acreditam ser felicidade é o orgulho nacionalista. Isso é mantido pela brutal governança do estado, nas periferias do território nacional ou no exterior: quebrar Hong Kong, reprimir os uigures muçulmanos em Xinjiang, atacar o exército indiano em Ladakh para empurrar as fronteiras e agradar as massas. Isso explica de passagem por que Xi Jinping aceita o risco de desagradar muitas pessoas ao redor do mundo: a opinião interna sobre ele é mais importante.

A neurose capitalista, sim, existe na China. Quando cheguei a Pequim em 1987, as pessoas viviam na pobreza, uma vida tranquila, com suprimentos limitados, boa qualidade de comida, mas com pobreza de escolha e havia muitas filas para comprar. Não havia poluição por falta de indústria. Hoje, temos muito mais produtos - mas não mais necessariamente os meios para comprá-los - e temos o estresse da produção: impensável descansar no trabalho em 2020.

Finalmente, fonte de tensão, mudaram as relações entre jovens e idosos, entre vizinhos, entre o indivíduo e o Estado. As pessoas não se entendem mais, discutem, e o estado exige estar sempre mais presente na vida cotidiana. Em resumo: sem estar bem cientes disso, para alimentar seu sentimento obrigatório de felicidade, os chineses não têm mais do que o orgulho nacionalista. O que nada tem a ver com "neurose capitalista”, é, antes, o resultado do quase-totalitarismo e do populismo, uma doença global do nosso tempo.

Romário Schettino – O filme “Indústria Americana”, de Julia Reichert e Steven Bognar, produzido pelo casal Obama, ganhou o Oscar de melhor documentário. O fechamento de uma fábrica da GM em Ohio e a instalação de uma gigante de vidro chinesa, a Fuyao, cria mais de mil empregos e traz esperança aos cidadãos da cidade. Mas o conflito cultural se estabelece entre chefes e funcionários. Na sua percepção, o mundo globalizado poderia responder de maneira humanista as demandas dos trabalhadores americanos e chineses?

Eu não vi esse filme, por isso tenho dificuldade em responder. Acho que você quer me perguntar sobre a relação entre chefes e trabalhadores na China e nos Estados Unidos, fazendo um paralelo entre as expectativas coletivas das classes trabalhadoras da China e o dos Estados Unidos. Esse paralelo pressupõe que na China exista tratamento justo no mundo do trabalho, proteção dos trabalhadores, diferentemente dos Estados Unidos, onde o trabalhador seria menos bem tratado. Confesso que não estou familiarizado com a situação na América do Norte, mas tenho certeza de que nos dois países as classes trabalhadoras não têm nem diálogo, nem demanda comum e nem mesmo situações comparáveis.

Certamente, a China possui várias leis sociais progressistas, como a aposentadoria aos 60 anos para homens e aos 55 para mulheres, bem como a garantia legal de não se poder ser demitido após dez anos de trabalho. Mas, por um lado, essas leis na China não são tão vantajosas. Para as mulheres, por exemplo, atingir a idade de aposentadoria aos 55 anos as coloca em desvantagem, com uma pensão muito menor. Por outro lado, as leis são contornadas: as empresas demitem funcionários antes de completarem 10 anos de serviço.

As leis sociais chinesas são mais favoráveis ao empregador, a fim de apoiar uma economia de exportação com os preços mais baixos, obtida através da prática de dumping social. Por exemplo, os Estados Unidos reconhecem a liberdade de associação e a China não - na China, sindicatos autônomos são caçados e trabalhadores que secretamente tentam criá-los vão para a cadeia.

O sindicato único oficial não defende os trabalhadores, mas existe para supervisioná-los e fazê-los aceitar as condições de trabalho impostas pelo empregador, seja na esfera pública ou privada. Nas ocupações mais simples, nas fábricas ou na construção, dezenas de milhões de empregados precariamente recém saídos de suas aldeias, todos os anos sofrem meses de atraso no pagamento de salários ou ficam sem pagamento na época da tradicional celebração do Ano Novo Lunar, quando querem retornar à vila natal.

Da mesma forma, em 2019, classes de trabalhadores mais qualificados, como caminhoneiros ou operadores de guindastes, ousam organizar dias nacionais de greves, porque o Estado lhes impõe condições de trabalho excessivamente duras, em particular as horas extras semanais sem remuneração. Um outro exemplo dessa discriminação contra esses trabalhadores independentes é seu acesso à obtenção de trabalho, recentemente organizado pelo Estado: os contratos com operadores de guindastes e transporte rodoviário são oferecidos em «leilões negativos»: aqueles que pedirem menos para executar o trabalho são contratados, com um preço bem baixo, os demais aguardam outro leilão...

É certo que a situação dos trabalhadores nos Estados Unidos não é brilhante, com 20 milhões de empregados sem seguro de saúde, mas nunca ouvi falar de uma demanda comum de funcionários chineses e americanos, como a pergunta sugere. Isso poderia acontecer no futuro, se as empresas gigantes da América e da China puderem continuar a investir cada vez mais no país oposto e recrutar cada vez mais por lá. Então, os trabalhadores de um mesmo setor ou de um mesmo grupo (como no caso de Fuyao-EUA e Fuyao-China) poderiam se aproximar, discutir e exigir dos chefes locais tratamento igual. Mas incentivar esse tipo de diálogo não é do interesse dos governos: a guerra fria que se instala com Trump e a Covid-19 tornam, por muito tempo, ilusórias essas esperanças.

PS: nesta imagem bastante sombria da legislação chinesa e do mercado de trabalho, existem algumas exceções às profissões altamente protegidas (a cada ano, os concursos de recrutamento atraem milhões de solicitações): funcionários públicos, soldados, polícia, todos esses corpos do Estado, sem os quais o regime não poderia sobreviver.

João Lanari – Esta era da Covid-19 pela qual estamos passando traz à tona muitas engenhosidades digitais, muitas das quais já existiam em um estado adormecido e não tinham visibilidade. A China é uma das vitrines deste novo mundo digital: técnicas de rastreamento social, sistemas de pagamento, uso de mídias sociais para monitorar a população - esses são alguns desses aspectos, implementados em uma escala própria a um país colossal como a China. O que significam essas estratégias em termos de instrumentos para restrição da liberdade e da oposição política?

Uma excelente pergunta que o Ocidente acha difícil se fazer de maneira imparcial e desapaixonada. De fato, a carga ideológica é pesada em ambos os lados, especialmente na questão do crédito social. Podemos imaginar uma sociedade do futuro em que tudo seja controlado por big data, ou seja, dados privados das pessoas? Tal premissa parece terrível, assustadora, o diabo na Terra e o fim de toda a democracia: é o pesadelo do "Big Brother está te observando" de repente feito realidade. E, no entanto, o advento do big data e do grande computador é indispensável e inevitável como um novo instrumento de gestão social. Isso precisará ser feito para que o Estado possa prever de ano para ano o número de empregos a serem criados, vagas nas escolas, vagas em casas para idosos.

A China não se faz a pergunta, mas avança, e se outros países não seguem o exemplo, é ela, por meio de sua eficiência, que lhes imporá seus métodos. Já há muitos anos, mais de um bilhão de chineses pagam em seus smartphones, por meio de suas contas wechat ou Alipay: passagens de avião e de trem, bilhete de cinema, a dúzia de ovos no mercado, o médico no hospital. Os aposentados têm um cartão eletrônico que contém seus registros médicos, transporte urbano gratuito, parques, museus, conta bancária, o pagamento da aposentadoria: todas as facetas de suas vidas estão concentradas em um único cartão.

Da mesma forma, quando você revende seu carro, o mecânico não precisa inspecioná-lo: digitando o número do chassi no computador, ele encontra todos os reparos e manutenção que foram feitos no carro - o Ministério da Segurança Pública tornou esse arquivamento obrigatório para todos os reparadores e revendedores do país, permitindo grande transparência nesse mercado. Isso está muito à frente do mercado de carros usados na Europa, e permite que o vendedor cuidadoso obtenha um excelente preço pelo seu carro, sendo que todos os envolvidos (garagem, vendedor, comprador) ganham tempo e dinheiro…

Outro exemplo: os jovens podem colocar na Internet um “mini-CV” que é analisado por um computador e, em alguns segundos, está disponível em todo o país para os empregadores mais adequados à situação que eles procuram.

O único problema é a liderança totalitária que o regime está assumindo cada vez mais sob Xi Jinping. O crédito social impõe disciplina e obediência aos cidadãos e pune fortemente os erros. No início deste sistema, observa-se uma situação anormal na China e uma necessidade urgente de restaurar a disciplina coletiva: muito individualistas, os chineses têm menos espírito social ou cívico do que na Europa - isto é, é o preço a pagar pela governança autoritária e a ausência de diálogo entre Estado e massas. As pessoas só entendem restrição. O regime, e parte da classe intelectual, esperam obter do crédito social o fortalecimento da confiança entre as pessoas, como contrapartida pelo seu melhor comportamento. O patrão pode contar com a certeza de recrutar funcionários honestos. O banco pode emprestar sem medo de perder dinheiro. O pai pode dar a filha em casamento a alguém "bom".

Mas o sistema não diz nada sobre os erros de julgamento, nem sobre os abusos de poder daqueles que administram o sistema, ou seja, dos quadros do Partido. O crédito social até impôs um aplicativo para smartphone por um ano, destinado a que os moradores leiam as obras de Xi Jinping todos os dias, em troca de alguns pequenos privilégios, como não serem revistados no aeroporto, ou evitar filas.

Mas tal sistema é fundamentalmente perigoso – ele pode provocar a exclusão dos dissidentes, o ódio das multidões face ao Estado e a perda da colaboração cívica. Tal sistema coloca o problema de um regime que quer ser ao mesmo tempo "juiz" e "árbitro", ator político, econômico e moral.

Até agora, na China, 17 milhões de pessoas estão na lista negra do sistema, sem permissão para pegar o avião, o trem rápido, ou tomar empréstimos no banco. Essas pessoas nem conseguem mais telefonar porque, quando o fazem, há um som especial que toca nos dispositivos das pessoas chamadas, alertando-as de que a pessoa que liga é um bandido. Até o momento, os chineses não estão reclamando: eles acreditam que apenas os culpados têm a temer e se dizem que: “o crédito social é punir os bandidos”. Mas, obviamente, essa situação não pode durar: o sistema, como é, não é viável.

Antônio Carlos Queiroz – Tendo em conta vários indicadores – econômicos, científicos, geopolíticos, soft power, exploração espacial – muitos observadores predizem que o século XXI pertencerá à China. Um dos maiores desafios do governo chinês, que seria uma das maiores realizações do país, é a eliminação da pobreza absoluta até o fim deste ano. Este desafio está mantido? Em que media a pandemia da Covid-19, que imporá uma grave desaceleração na economia, poderá afetar este objetivo?

O governo, durante 20 anos estabeleceu a meta de erradicar a pobreza extrema até 2020. O limiar financeiro é uma renda abaixo de 2.300 yuans por ano per capita, o que corresponderia, na visão oficial a uma situação de quase autossuficiência. Em 6 de março de 2020, o Presidente Xi reiterou a promessa para dezembro. Até hoje, existem oficialmente 5,5 milhões de pessoas muito pobres na China - o trabalho está quase pronto, com o estado estimando que desde seu nascimento em 1949, ele tirou 850 milhões de pessoas da pobreza.

Para aqueles classificados como "pobres", geralmente em áreas remotas e que não falam mandarim, no oeste do país, o estado oferece um apartamento na cidade fortemente subsidiado, com 10.000 yuan cada; às vezes oferece uma parcela cultivável e um pouco de gado (ou, por exemplo, 30 galinhas). 43 milhões de pessoas classificadas como "muito pobres" recebem 3.900 yuanes por ano.

Mas há muitos problemas. Uma grande parte dos camponeses deslocados da cidade acha difícil se adaptar a ela, encontrar trabalho. Eles não falam o idioma nacional e geralmente não têm organizações não-governamentais (ONGs) para ajudá-los - o estado não gosta de ONGs.

Outro problema: pelo menos metade das pessoas muito pobres não conseguem ter seu status reconhecido e não são ajudadas. Além disso, o dinheiro enviado de Pequim geralmente desaparece no caminho, embolsado por funcionários corruptos. Finalmente, uma vez que o programa em andamento e o censo dos pobres estiverem concluídos, o Partido não vai mais querer reconhecer novos pobres. No entanto, a China oficialmente tem 236 milhões de trabalhadores migrantes e 600 milhões de pessoas vivem com menos de 1.000 yuanes por mês: a verdadeira pobreza existe, muito maior do que o Partido está disposto a admitir.

Xi Jinping quer vencer esta aposta a todo custo, porque seu sucesso deve justificar todo o sistema, diante da opinião doméstica e de outros países que consideram intensamente a China como uma esperança. Como diz o economista oficial Hu Angang, citado pelo diário britânico Financial Times: “Na minha opinião, o Ocidente é dirigido por políticos que querem ganhar sua próxima eleição, enquanto a China é dirigida por um partido no poder que deseja alcançar objetivos maiores”. As eleições valem menos que a prosperidade para todos.

Nesta perspectiva, a chegada do Covid 19 complica a questão. Pela primeira vez em 40 anos, o produto interno bruto (PIB) diminuirá em 2020. Haverá milhões de novos pobres. Não acredito que o Partido possa ter sucesso nessa aposta de erradicação da pobreza, ou mesmo que possa admitir o fracasso.

J.A. Bekinschtein – Como você vê as escolhas dos “terceiros” países da Europa, América Latina, enfrentando o confronto China-EUA. Ao mesmo tempo, você acha que haverá uma "dissociação" em vários níveis, inclusive o cultural?

De fato, Europa e América Latina, África e Sudeste Asiático estão em desacordo com a crescente rivalidade entre a China e a América do Norte: esses continentes estão estruturados em pequenos países, divididos, portanto, e os EUA e a China esperam que eles escolham seu lado.

Tradicionalmente, países de origem europeia, especialmente anglo-saxões, votam na América, que é historicamente “seu filho”. Os países em desenvolvimento tenderão a votar na China, especialmente aqueles que recebem subsídios e projetos de “Um cinturão, uma rota”. Há também o problema do pós-colonialismo, onde muitos países permanecem justamente ressentidos ou encolerizados com o passado, no qual os europeus praticavam escravidão ou ocupavam e administravam seus territórios, o que a China não fazia - pelo contrário, tendo sido parcialmente ocupada.

A China quer se posicionar como um farol de independência e também como fonte de financiamento e desenvolvimento com técnicas de baixo custo. Mas, cada vez mais, também aparece como um novo explorador, com muitos países (Sri Lanka, Sudão, Gabão) onde os projetos do “Um cinturão, uma rota” falharam, onde o solo foi confiscado pela China para se reembolsar e onde os recursos são exportados para a China a preços baixos. De fato, na própria China, existe exploração: a China se tornou o país número um para o número de novos bilionários em dólares que enriquecem explorando seus concidadãos.

Os países terceiros, em seu “voto” para “China” ou “EUA”, também devem refletir sobre a recente influência totalitária de Pequim em Hong Kong, Xinjiang e contra a Índia em Ladakh. A China está perdendo sua imagem de soft power, na qual investe há 30 anos. Parece compelida a fazê-lo, após o declínio no crescimento, a epidemia de Covid 19, e a insatisfação dos cidadãos. Consequência: os Estados Unidos, mas também a Europa, a Índia e eu acredito que o Brasil, serão menos tolerantes com a China no futuro e vão monitorar mais de perto suas exportações, seu respeito aos padrões sociais internacionais, suas compras de bens e empresas em seus próprios territórios: uma “lua de mel” entre a China e o mundo está chegando ao fim, a China não é mais vista como um país pobre, nem como um parceiro leal.

Outra possível consequência desse conflito que está se acumulando entre os EUA e a China é uma aceleração previsível da integração desses países terceiros da Europa e da América Latina. Especialmente porque outros grandes países hegemônicos chegarão no futuro, Rússia, Índia ou Turquia, por exemplo. A partir dessa integração, já podemos ver um pequeno gesto na União Europeia, sob a liderança de Merkel e Macron, que acaba de lançar o embrião de uma política orçamentária comum, com um empréstimo direto da União para ajudar os países do Sul a emergir da crise. Mas essa Europa mais integrada também nos permitirá resistir à pressão de um Trump ou de um Xi Jinping.

Do ponto de vista cultural, aqui temos que esperar que não haja guerra: a humanidade é una e indivisível, e os problemas climáticos ou de saúde só podem ser resolvidos juntos. A cultura chinesa é enorme e ótima, assim como a da Europa, que também é “mãe” da América do Norte, América Latina, África e muitos outros países. Para o nosso futuro desenvolvimento mental e cultural, nenhum país pode prescindir de um diálogo com a China, que também precisa muito de nós.

Além disso, as trocas franco-chinesas são ativas e florescentes. A longo prazo, a abertura total, a livre circulação de pessoas e ideias é inevitável, para evitar a decadência da humanidade, para aprender como projetar melhor nossas cidades, para cultivar sem água, para produzir industrialmente sem poluição, para viver livre do desejo de dominar nossas esposas ou filhos, ou ganhar mais e mais dinheiro. Mas, a curto prazo, esperemos que a crise não nos leve a interromper o diálogo com a China de Xi Jinping. E aqui nada é ganho: nossos amigos franceses ainda na China nos dizem que a polícia está usando todos os pretextos para suprimir vistos válidos e forçá-los um a um a sair sem a possibilidade de retornar!

 

Eric Meyer com o livro LÉmpire en Danseuse