Sonho impossível

Sandra Crespo -

Rio de Janeiro - O querido amigo Roberto Seabra pediu para que escolhêssemos o melhor verso do Chico Buarque. Mas, meu caro amigo, ouça um bom conselho, que lhe dou de graça: não adianta sonhar mais um sonho impossível.

Eu chorei até ficar com dó de mim, e até pensei que a tristeza fosse minha. Mas depois de ouvir samba e fazer amor até mais tarde, o mar m’arrebatou.

Afinal, eu sou funcionário, ela é dançarina - e todo mundo tem pereba, só a bailarina é que não tem!

Então, um passarinho me contou, e o pescador me confirmou, que vem aí bom tempo. Mas, agora falando sério: vi cidades, vi dinheiro, bandoleiros, vi hospícios... moças feito passarinho avoando de edifícios.

Mas, Deus lhe pague por este pão pra comer e este chão pra dormir!

Eu te chamava em silêncio - na tua presença, palavras são brutas...e eu queria ficar no teu corpo feito tatuagem... (Mas ela desatinou...)

O tempo passou na janela - o pessoal se desaponta, vai pro mar, levanta vela! Pois a coisa aqui tá preta e sei o quanto é preciso navegar...

Mas não se afobe, não, que nada é pra já. Pra mim, basta um dia. E quando o Rio for uma cidade submersa, os escafandristas virão explorar sua casa, seu quarto, suas coisas, sua alma, desvãos.

Pois, apesar de você, cada paralelepípedo da velha cidade esta noite vai se arrepiar. É verdade que o samba saiu procurando você, mas você anda dizendo desaforos pro meu lado - e eu sou apenas um mulato que toca boleros.

Tinha só pra mim que agora, sim, eu vivia enfim, o grande amor...Mentira! Deixa em paz meu coração, que ele é um pote até aqui de mágoa! Saiba que eu te perdoo por te trair.

E, no tapete atrás da porta, sonhei contigo e caí da cama. Daí, pensei: amanhã há de ser outro dia. Andei pela praia até o Leblon pra ver a banda passar, mas qual o quê! Só vi crioulos empilhados no porão de caravelas no alto mar...