Marmitex

Sandra Crespo -

Rio de Janeiro - Depois de aquecer no micro-ondas, coloquei num potinho de sorvete a comida que sobrou. Era um resto do cozidão do restaurante Lopes, que eu haveria de passar pra frente neste início de tarde. Não ia ter mais saída aqui em casa.

Saí pela Nossa Senhora de Copacabana com o pacotinho e um pensamento: só porque estou procurando, duvido que eu encontre agora um morador de rua a fim dessa boia, que por sinal está muito boa!

Avancei um quarteirão, para chegar à Almirante Gonçalves, uma rua sem saída que começa na praia e termina na Nossa Sra - onde abundam camelôs, aposentados e sem-teto. A rua do Bip-Bip.

Naquele horário, duas da tarde, o local costuma ser dominado pelo time dos aposentados. Duas mesas redondas de concreto com desenho de xadrez estavam repletas de pastilhas brancas e pretas do jogo de damas. Sentados em volta, alguns senhores faziam suas jogadas.

Eu parei e observei. Lá atrás, entre os carros estacionados, vinha da praia um homem muito maltrapilho, barba farta e suja, sem camisa e andando ligeiro com ajuda de muletas - a perna direita era amputada. Talvez ele se interesse, pensei.

Esperei ele se aproximar e, meio sem graça, abordei-o: O senhor já almoçou? “Já”, fulminou o homem, sem nem me olhar.

E antes que eu caísse na risada da perplexidade, um dos participantes do jogo de damas me acudiu. Era um homem negro, na faixa dos 70 anos, vestido com a simplicidade e o conforto dos que não têm pressa.

“Não liga, ele é doido. O que a senhora tem aí? Comida?”

Sim, está até quentinha, mas eu fico meio sem graça de oferecer, mesmo sabendo que muitos têm fome.

Pode deixar aqui comigo, fica tranquila que vai ter freguês - ele garantiu, amistosamente. - Tem um que saiu agorinha pra pegar um crack, daqui a pouco volta esfomeado.

Imediatamente eu lhe entreguei a matula. Obrigada, meu senhor. Muito obrigada. Boa tarde!

O ser humano é complexo. Modo de usar não funciona.