Geniberto Paiva Campos: "A união das forças democráticas torna-se essencial na preservação de valores da Civilização, sob grave ameaça de extinção pela Extrema Direita. Agora atuando em escala mundial."
Para onde caminham a mídia corporativa e as redes sociais?

Geniberto Paiva Campos –

Há uma irresistível vocação dos órgãos de comunicação no Brasil, os novos e os antigos: assumirem a partidarização. Ou seja, escolherem um lado do espectro político-partidário e passar a defender os seus princípios. E bem ao contrário do que imaginam os seus proprietários, tornam as suas empresas mais frágeis e vulneráveis. E não necessariamente mais poderosas.

A informação livre e isenta é um direito de todos. E desde o momento em que abandona esse compromisso, ao aderir a partidos políticos, geralmente do campo conservador, o jornalismo perde uma das suas características essenciais. Não é mais Jornalismo, digno desse nome. Torna-se uma espécie de farsa lamentável. E o mais grave, comprometendo, de forma irremediável, o processo democrático.

Esse direito de, literalmente, “tomar partido”, por parte dos donos dos veículos de comunicação, teria levado um desses “chefões” a dizer, de forma arrogante, talvez equivocada, para um seu funcionário: -não somos apenas divulgadores de notícias. Somos uma fonte de poder!

E na medida em que os jornais ampliaram o seu poder de comunicação, agregando rádio, revista, televisão, formando as “redes de comunicação”, escapando dos limites constitucionais, essa afirmação não ficou tão longe da realidade. O segmento populacional que dispunha de recursos criou o hábito de  ler os jornais pela manhã e acompanhar o noticiário da TV à noite. E assim ficavam informados. E, em curso, a sua formação ideológica. Tornando-os cidadãos de segunda classe.

Desde o momento, inserido nas primeiras décadas do século passado, no qual se tornou explícita a vocação desenvolvimentista do Brasil, deixando de ser, apenas, um simples exportador de produtos agrícolas e minerais, criou-se o antagonismo entre grupos políticos progressistas, representantes da vocação natural do país para se tornar uma nação desenvolvida, livre e soberana, versus a chamada “elite do atraso”, que sempre apostou na complementaridade definitiva da nossa economia. Condenados, para sempre, a sermos um país subalterno. Ingênuos e renitentes adversários da difícil luta pelo desenvolvimento, progresso e soberania nacional.

Essa bipolaridade entre desenvolvimentistas x subalternos vem marcando a lenta evolução política do país, em direção ao seu futuro, sempre adiado. Assim, conseguimos chegar à década de 1960 com vergonhosos índices de analfabetismo; fomos dos últimos países da América Latina a criar suas Universidades; com uma estrutura agrária injusta e disfuncional; ostentando sempre níveis insuportáveis de desigualdade social e econômica. Para satisfação de uma elite que sempre apostou todas as suas fichas no atraso e na injustiça social. Desta forma imaginando garantir, indefinidamente, os seus lucros.

Para chegarmos a esse ponto o país conta, há décadas, com o conluio, aparentemente indissolúvel, das suas elites, representadas nas diversas esferas de poder: os clássicos executivo, legislativo e judiciário. E com a importante – e permanente – cumplicidade da mídia corporativa, das forças armadas, de igrejas e da sempre presente classe média. A qual, sem perceber, adotou o Fascismo como religião.

Um sistema de governo, facilitador de golpes político-institucionais, denominado “presidencialismo de colisão” (desculpem) “presidencialismo de coalizão”, facilita a permanente instabilidade das instituições da República... Sempre que os donos do poder se imaginam em desvantagem, ou se sentem ameaçados nos seus privilégios, apelam para a desestabilização dos governos, dando início a um novo ciclo de autoritarismo, com os quais, de tão repetitivos, vamos nos acostumando. Afinal, são coisas naturais em nossa instável democracia.

Até ao final da primeira década do século 21, o processo político eleitoral caminhou sob a vigência dos valores clássicos da política. As eleições, em todos os níveis, tinham como vencedores as agremiações políticas que agregavam a maior quantidade de apoio entre os eleitores, como seria natural no processo democrático.

No entanto, devemos levar em conta, fazendo um curto parenteses, que, mesmo ao longo do período ditatorial (1964/1985), as regras do jogo político não eram imutáveis. O comando do movimento avaliava serem sempre necessárias novas medidas restritivas. Assim aconteceram, sucessivamente, o AI-5 (1968); a Lei Falcão (1976), entre outras medidas autoritárias. Por exemplo, a censura violentíssima aos movimentos culturais: teatro, cinema, e, sobretudo, música popular; até o retorno para a “Abertura”, lenta, gradual e segura, e finalmente, a transição para a Democracia. O cacoete autoritário foi mantido. Não tinha cura. E era do agrado dos censores. Pois lhes dava a sensação de “poder”. O exercício do poder sem limites. Característico dos regimes ditatoriais.

Na medida em que as comunicações se tornaram mais efetivas, verdadeiras revoluções foram acontecendo, na qual a Televisão passou a ter um predomínio inegável, ao agregar em sua pauta, além de notícias, esportes, entretenimento – sobretudo novelas – programas musicais e humorísticos, entre outras atrações. Claro, isso veio conferir maior poder de comunicação, grandes audiências, e, consequentemente, maior poder de influência nas escolhas da população, enquanto consumidores, eleitores e na formatação dos seus valores políticos e “ideológicos”.

O enorme poderio das redes de comunicação, no entanto, não permaneceu estável. E absoluto ou imutável, como era de se esperar. Desde que a evolução não para, e somada ao avanço do processo de globalização, o mundo agregava, naturalmente, novas formas de informação e comunicação.

O surgimento das redes sociais provocou uma nova revolução, dando continuidade ao processo de mudanças na área das comunicações. Introduzindo novos e importantes componentes. E com decisiva - e mal compreendida - influência na área política eleitoral, e consequentemente, no exercício poder institucional. Uma incrível e inesperada sequência de eventos eleitorais recentes comprovam essa influência, muitas vezes decisiva. E alterando, profundamente, as regras do jogo democrático. Gerando, no plano internacional, enormes perplexidades, mesmo entre os cidadãos informados e do mais elevado nível educacional.

A influência das redes sociais no processo eleitoral se manifestava em todo mundo: no Reino Unido (Brexit); nos EUA (eleição de Donald Trump) ambos em 2016; no Brasil, (eleição de Jair Bolsonaro), em 2018. Todos estes eventos marcados pela decisiva influência da manipulação “científica” das redes sociais. Resultados eleitorais considerados surpreendentes.

Giuliano Da Empoli, no seu livro Os engenheiros do caos, Ed. Vestígio, trad, de Arnaldo Bloch, 2019, faz uma segura narrativa, explicando como as fake news, teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições.

Trata-se de um pequeno/grande livro, no qual o autor consegue explicar (verbis): a “nova política” e os seus novíssimos atores, cujos defeitos e vícios se transformam, aos olhos dos eleitores, em qualidades. Sua inexperiência é a prova de que eles não pertencem ao círculo corrompido das elites. E sua incompetência é vista como garantia de autenticidade. As tensões que eles produzem em nível internacional ilustram sua independência, e as fake news que balizam sua propaganda são a marca de sua liberdade de espírito.

Por trás deles, “esconde-se o trabalho feroz de dezenas de spin doctors, ideólogos e, cada vez mais, cientistas especializados em Big Data, sem os quais eles jamais teriam chegado ao poder”.

Frente a tal manipulação, torna-se difícil falar em “Estado Democrático de Direito”, e de outros avanços obtidos pelo conjunto da sociedade, em sua busca permanente pelo desenvolvimento e preservação do processo civilizatório. E da Paz Universal. Valores permanentes.

A união das forças democráticas torna-se essencial na preservação de valores da Civilização, sob grave ameaça de extinção pela Extrema Direita. Agora atuando em escala mundial. Aprenderemos a percorrer os difíceis, tortuosos caminhos da Resistência. Tendo como objetivo maior a preservação da Democracia e da Civilização.

A luta continua. A derrota de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas é um bom começo. E uma bela lição.