Elika Takimoto: “No que toca ao PT... o saldo foi negativo. É preciso encarar essa realidade mesmo que doa os ossos”
Depois daquele dia.. 2022 é logo ali

Elika Takimoto (*) –

Gostaria de compartilhar o que estou sentindo - entre uma aula remota e outra - neste fatídico, indigesto e histórico day after. Pensei em ler vários jornais e assistir doze horas de programas para retirar meu certificado e estar devidamente habilitada a dar a minha opinião.

Mas o tempo urge e já vi cientista político com doutorado dizendo que está tudo muito confuso. Então, movida pela emoção como sempre faço, decidi botar a mão nesse teclado cheio de pelo da minha gata e fazer a minha contribuição para o caos.

Vamos aos fatos:

1- É a primeira vez que o PT não elege nenhum prefeito de capital desde a volta das eleições diretas, em 1985.

2- PT foi o partido mais presente no segundo turno, concorrendo em 15 das 57 cidades. Ganhou em 4: Contagem e Juiz de Fora, MG, e Diadema e Mauá, SP. O resultado foi pior do que em 2016.

3 - Aqui está o mapa das prefeituras dos partidos considerados de esquerda de 2016 para 2020:

PDT - de 334 para 314
PSB - de 414 para 253
PT - de 261 para 183
PCdoB - de 80 para 46
REDE - de 5 para 6
PSOL - de 2 para 5

Isso posto, a minha análise.

Antes, porém, preciso dizer qual é o meu lugar de fala: sou professora e a primeira suplente na Alerj e na Câmara Municipal do Rio. Fui candidata duas vezes pelo PT e não ouvi pouca coisa pelos lugares por onde andei. Meu lugar de fala é um local hostil, mas que, dado tudo o que estou vendo, não troco por nenhum outro porque a minha paz não se dá pelas palavras duras que recebo e sim pela minha consciência.

Comparado com o quanto a direita avançou e o desempenho do PT e de outros partidos ditos de esquerda, é impressionante e didático quando vemos os jornais hoje. O PT está na boca de todos comentaristas. O que me leva a concluir que não podemos analisar isso pelo viés racional e sim psicológico.

Ainda que o PT acabe, o antipetista vai continuar falando do PT porque o conceito “PT” está associado a uma ameaça. Pessoas que se acham intelectualmente superiores ficam muito mais confortáveis vivendo em um país sem mobilidade social. E se tem uma coisa com a qual o PT mexeu foi com essa ilusão, a dizer, que o pobre está onde está porque não se esforçou o suficiente.

A palavra “meritocracia” que muita gente nunca tinha ouvido apareceu forte para dar conta da conjuntura promovida pela chegada de um trabalhador à presidência.

Perdi a conta de quantas pessoas falaram que não iriam votar em mim porque sou do PT ou que votariam "apesar disso". Para essas e outras tantas que dizem odiar o PT, eu sou didática sem ser agressiva porque sou dessas que acreditam que o grito não ensina. Continuo existindo e me vestindo como quero.

No caso do segundo turno em que algumas cidades foi “uma escolha muito difícil” (lembrando a manchete do Estadão com a foto de Haddad e Bolsonaro nas eleições de 2018) entre um candidato de direita e outro de esquerda, ao mostrar o programa sem apresentar o partido, a pessoa se simpatizava com o programa do PT (ou outro partido de esquerda como foi em Porto Alegre) sem pestanejar.

Percebi nitidamente que as pessoas querem as mudanças que o PT propõe votando em outro partido que está falando que vai fazer o contrário. Em suma, ninguém lê ou quer saber das propostas. O voto é justificado em cima de palavras do pastor ou de um medo ilusório de que o comunismo vai ser instaurado no Brasil.

Mesmo considerando todas as misérias que o capitalismo nos trouxe, mesmo vendo que o meio ambiente está agonizando pelo lucro desenfreado e perverso promovido por esse sistema, mesmo olhando a fome em vários países capitalistas, é o comunismo que as pessoas temem.

E veja bem, nem estou dizendo que sou a favor do comunismo, só estou pontuando um medo que não se justifica, mas que existe.

Não acho que corremos o mínimo risco de virarmos Cuba, mas percebo que estamos virando um Brasil muito mais desigual.

Toda forma de amor é natural. O ódio não. Toda forma de odiar é ensinada. E o ódio a um partido que em nada ameaçou a nossa democracia (a despeito da perfeição não existir) não é exceção. Quando algo nos incomoda, sabemos muito mais sobre nós mesmos do que sobre o objeto que nos desestabiliza emocionalmente.

Vem de longe esse ódio. A Lava jato e o espetáculo midiático contra tudo que tivesse a ver com o PT foi apenas um capítulo desse livro inacabado chamado Brasil. O antipetismo é uma modalidade de ódio olímpica praticada por pessoas que se informam pela grande mídia e têm seus pensamentos moldados por quem detém o grande capital fazendo com que raciocinem como se fossem grandes empresários.

Os anos que o PT ficou no comando desse país e o que fez em vários governos e municípios (Beijo, Maricá!) são um exemplo perigoso para os interesses do capital. A elite burguesa está ainda impregnada dos seus valores e privilégios herdados do escravismo colonial.

Nesse sentido, Boulos é “PT” porque traz de volta a memória do que pode ser um governo de esquerda, ainda que o programa de governo apresentado pelo candidato psolista tenha divergências com os programas do PT.

Estou querendo dizer que o ódio unifica uma galera que, dado o resultado de domingo, 29, não é pequena: começa na extrema-direita fascista e termina no centro liberal. As diferenças entre eles são várias sendo que a extrema-direita vive numa terra plana e a galera do centro liberal, no mundo da lua.

Dito de outra forma: o povo brasileiro historicamente é conservador e de direita. Confia em Deus e no patrão e veem em ambos uma oportunidade. Defende a PM e ataca a ciência. Ou defendem os dois e desprezam a história.

E não será mostrando a conta bancária da pessoa e os programas de governo da esquerda que nos levará a ter sucesso nas próximas eleições. Não será pelo aumento da fome e nem do desemprego nos governos de direita. O governo do PT permitiu a mobilidade social, mas o outro lado joga de forma imunda. O disparo das fake news não foi punido e entrou em 2020 como uma tática praticamente oficializada nas eleições. Nosso inimigo não é Bolsonaro e sim a inoperância das leis.

Reverter isso não se faz em dois nem em quatro anos. É necessário trazer os jovens para o debate, intensificar os diálogos com as universidades, os secundaristas, os botequins, com as igrejas, estar nos bailes, nos rolês aleatórios, com os bêbados e com os equilibristas... é necessário trazer de volta Henfil e tanta gente que partiu no rabo de foguete e puxar pela mão quem se absteve do voto. E esse trabalho precisa começar hoje.

Quanto a uma frente ampla de esquerda, vimos que temos que melhorar essa ideia e “combinar com os russos”. Em Recife, doeu ver o PCdoB na chapa que usou a máquina do estado e do município contra Marília Arraes do PT. Por outro lado, aquele quadro com Lula, Dino, Ciro e Marina no programa eleitoral do Boulos nos fez inicialmente sonhar. Mas a verdade é que somente PT e PCdoB foram às ruas pedir votos para Boulos. Foi o que o cientista político com doutorado falou: é tudo muito confuso.

No que toca ao PT, tivemos alegrias pontuais mas o saldo foi negativo. É preciso encarar essa realidade mesmo que doa os ossos. É o que estou fazendo agora entre uma aula remota e outra.

Vale observar, que há outros partidos de esquerda, mas a grande mídia praticamente os despreza. Didática melhor não há: o PT é mais do que um partido. É uma ideia a ser combatida.

No que toca ao todo, avançamos um pouco. Voltamos a viver na terra redonda e a gravidade voltou a fazer sentido. Em tempos de crise sanitária em que a vacina está prestes a chegar, isso não é pouca coisa. No Rio, ao menos temos agora um prefeito que não demoniza o carnaval. Avançamos nove casas. Ufa!

O Brasil só acabou para quem desistiu dele. A luta que se perde é a luta que não se luta. Se fosse fácil, seria lenda e não história.

Bora que 2020 está acabando e 2022 está logo ali.
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(*) Elika Takimoto é professora, escritora e política brasileira. Graduou-se em Física pela UFRJ, onde também fez o mestrado em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia. Fez doutorado em Filosofia pela UERJ e é coordenadora de Física do Cefet.
(Este artigo foi publicado originalmente no blog da autora com o titulo de “O day after”, dia 30/11).