Geniberto Campos: “A ´batalha do aborto´ deveria ter somente um vencedor: as mulheres brasileiras e o seu irredutível direito à reprodução. Uma visão medieval sobre esse direito somente nos conduzirá para as trevas da barbárie.”
Sobre a interrupção da gravidez de menina vítima de estupros

Geniberto Paiva Campos –

O caso de uma criança de 10 anos de idade, seguidamente violentada, desde os 6 anos, por um parente em seu ambiente doméstico, e que resultou numa gravidez precoce, tornou-se em seu desfecho, emblemático do eterno conflito civilização x barbárie.

Este conflito incide em todas as sociedades humanas, e independe do seu grau de desenvolvimento econômico, social, político, artístico, científico ou cultural. São exemplos eloquentes a Itália e a Alemanha, nas primeiras décadas do século passado, os quais resultaram num dos mais violentos conflitos bélicos da nossa História: a II Guerra Mundial. Quando milhões de pessoas morreram – entre civis e militares - e, pela primeira vez foram utilizadas armas atômicas, pondo em risco a própria sobrevivência da humanidade. Mais uma prova de que a estupidez humana não tem limites.

Alguns países, embora apresentem atrasos e retrocessos nos campos político e/ou democrático - caso do Brasil atual – guardam em seu aparato legal leis que tratam de assuntos específicos, que representam conquistas civilizatórias, as quais permanecem vigentes. É o caso da lei que trata do aborto, por exemplo. Vigente no país, em sua configuração atual, desde 2012.

O debate sobre a criminalização x descriminalização do aborto permeia a sociedade brasileira há algum tempo. E configura dois campos opostos: os movimentos religiosos (católicos e evangélicos) x movimentos feministas.

Esta configuração faz com que o debate sobre o tema - periodicamente modificado, mas não muito bem assimilado pelos contendores – assuma características de irracionalidade, valendo lembrar que a adoção de métodos anticoncepcionais eficazes, hoje aceitos com naturalidade por toda a sociedade, representou um importante avanço sobre o tema, mas não logrou fazer avançar o debate, em direção à racionalidade e fortalecendo o processo civilizatório.

As repercussões, digamos “políticas” do caso presente – interrupção legal da gravidez ocasionada por estupro, numa criança de dez anos de idade - é um claro exemplo desse antagonismo estéril. E, ao que parece, irredutível. Pois a atual lei brasileira sobre o aborto é clara, a interrupção da gravidez é legalmente permitida, em três condições: 1. risco de vida para a gestante; 2. gravidez resultante de estupro; 3. anencefalia fetal.

Fica claro que a aceitação dessas condições representa um avanço significativo na descriminalização da interrupção da gravidez. E, valendo acrescentar, um passo importante para fazer do Brasil um país civilizado.

Os contendores precisam começar a perceber que a “batalha do aborto” somente deveria ter um vencedor: as mulheres brasileiras e o seu irredutível direito à reprodução. Uma visão medieval sobre esse direito somente nos conduzirá para as trevas da barbárie. Afinal, os avanços tecnológicos, em todas as áreas, estão mudando o mundo. E é o nosso entendimento sobre isso – com humildade e inteligência - que nos conduzirá para a CIVILIZAÇÃO! Ou, se preferirmos ignorá-lo, para a BARBÁRIE.