Josef Hader, no papel de Stefan Zweig, no filme Adeus, Europa, dirigido por Maria Schrader
Stefan Zweig e a liberação da alma em tempos de ódio

João Lanari Bo -

“Minha crise interna consiste em que não sou capaz de me identificar com o eu do meu passaporte, o eu do exílio”. Stefan Zweig, o formidável escritor - tema do filme em cartaz no Cine Cultura do Liberty Mall que leva o premonitório título de “Adeus, Europa” - era o autor mais traduzido do mundo quando cometeu, com a mulher Lotte, um duplo suicídio, em Petrópolis, no carnaval de 1942.

Duplo suicídio é um dispositivo corrente na literatura japonesa, e por extensão no cinema.

Mas Zweig era um judeu austríaco, vidente de uma Europa sem fronteiras e guerras.

Como mostrar uma decisão como essa? A câmera estática de Maria Schrader, a diretora do filme, capta os instantes imediatamente posteriores à morte do casal, de um ângulo onde se vê parte de sala, hall interno e varanda ao fundo.

Entram pessoas próximas do casal em Petrópolis, línguas e sotaques variados, negros e brancos. A imagem é fria e distante, mas a tensão subjaz.

São meia dúzia de fragmentos dos últimos anos de Zweig, a maior parte no Brasil, mas também Buenos Aires e Nova York.

Na América apenas uma sequência extraordinária no apartamento da ex-mulher, igualmente foragida. Muito diálogo, reencontros e ansiedade (o ano era 1939).

Na Argentina, um Congresso de escritores que se transforma em ato público contra o emergente nazismo (o ano era 1936).

O fio seco que conduz a narrativa desvia a contenção emocional para o rosto dos protagonistas, os excepcionais Josef Hader, Aenne Schwarz (companheira) e Barbara Sukowa (a ex).

O assombro toma conta de Zweig, quase imperceptível, mesmo para os espectadores contemporâneos que conhecem o fim trágico. Assombro interior, e perplexidade com o que se passava ao redor.

O Brasil foi um alívio nesses anos de tormenta. Em um de seus melhores textos, Zweig dizia de Fouché, o revolucionário de 1789 que virou chefe de polícia de Napoleão e sobreviveu à restauração da monarquia em seu país, a França: “o Ministério, o Senado e a representação popular são maleáveis como cera em sua mão de mestre”.

Stefan Zweig não era maleável e acabou não segurando a onda, na placidez petropolitana.

Tinha 60 anos quando se matou. Thomas Mann, outra estrela literária na oposição a Hitler, achou o ato covarde, um triunfo para os dominadores da Alemanha.

Mas se arrependeu dez anos mais tarde, compreendendo que Zweig "não queria e não podia continuar vivendo no mundo cheio de brados de ódio, barreiras hostis e o medo brutalizante que hoje nos cerca".

Mann escreveu essas linhas em 1955. Hoje os brados parecem se reagrupar na velha Europa, de novo.