Geniberto Paiva Campos: "Enquanto isso aguardamos o esperado retrocesso civilizatório"
Quando a elite emburrece

Geniberto Paiva Campos -

Não. Não vamos falar, especificamente, sobre o governo Temer. E dos seus inacreditáveis desmandos. E tolices.

Trata-se aqui de algo mais amplo. Uma ideologia global. E que exerce profunda influência no grupo que tomou de assalto o poder no Brasil.

Na verdade, um bando de políticos farsescos, “casca grossa” que se apossou do Executivo. E, com uma pressa obscena, tratou de implementar a pauta neoliberal.

Homens de visão curta e distorcida impuseram ao país um ideário fraudulento.

Na contramão da História. Como se fosse possível, no alvorecer do século XXI, promover a marcha em direção ao passado. Destruindo todo o arcabouço social, construído há séculos.

Adotando, cinicamente, o apelido de “Salto para o Futuro” para o seu projeto retrógrado, cujas nefastas consequências já se fazem sentir: fome, desemprego, miséria. E queda exponencial da atividade econômica. E a perda da soberania.

E, de repente, em um passe de mágica, o Brasil, uma das maiores economias do mundo, retorna à condição de Colônia. Como se fosse um país de tolos. A Pátria da estultice.

Nesta hora, precisamos lembrar temas abordados por pensadores ilustres.

Algo de que nos fala Lord Keynes. Stuart Mill. Hanna Arendt. Eric Hobsbawn. George Orwell. Noam Chomsky. E outros sábios pensadores humanistas. Que sempre demonstraram preocupação com o Bicho Homem. E suas armadilhas ideológicas.

E claro, do vasto rebanho de seguidores. Ingênuos e crédulos. Absolutamente cegos. E irremediavelmente crentes.

Manipulados habilmente por “teóricos” farsescos de uma ideologia que não ousa - não pode? - dizer claramente o que pretende.

Não tem a coragem mínima de submeter o seu projeto ao escrutínio e à legitimação do voto. Sequer ao livre debate. Somente podendo agir nas sombras. Atuando nos porões.

Um caubói de filmes B americanos, Ronald Reagan, do Partido Republicano, no início dos anos 80, ao se eleger presidente dos Estados Unidos, decidiu mudar o Mundo. Para pior. Bem pior.

Contando com o seu carisma hollywoodiano e a preciosa adesão da primeira ministra inglesa, do Partido Conservador, Margareth Thatcher, a dama de ferro.

Teve início, assim, a Era Reagan. Com terríveis consequências para o seu país e para todo o Planeta. Implantaram a ”Reaganomics”. O nome de batismo da teoria neoliberal.

O Neoliberalismo, filho dileto da Globalização. Um mundo sem fronteiras. Sem limites. Para permitir a livre circulação do dinheiro. E das ideias que lhe dão suporte.

Aparentemente, a ideia inicial era a salvação da ortodoxia do sistema capitalista. Vítima de crises cíclicas, desde 1929. E que apresentava inquietantes e recorrentes sinais de fadiga e falência.

Colocar o Deus Mercado no centro do mundo. O seu devido lugar.  E, claro, sob o controle da Elite.

Estava se consolidando um novo regime econômico. Em substituição ao velho Liberalismo. Sob a égide da teoria do livre mercado: o Sistema Neoliberal.

Negando direitos há séculos adquiridos pelos trabalhadores. Promovendo a concentração de renda. A miséria. O desemprego. Tudo feito de maneira sutil. Fraudulenta. E cínica.

Nem que para tanto fosse necessário, imprescindível até, fazer regredir o Estado de Bem Estar Social. Até a sua extinção. Wellfare State, um sistema que em última instância buscou instituir a Paz, a Prosperidade e a Harmonia entre o Capital e o Trabalho. Uma etapa importante na construção de uma sociedade civilizada. Um passo além da luta de classes.

Construído, em seus primórdios, com o empenho de indivíduos com visão de futuro. Também chamados Estadistas.

Bismarck, na Alemanha do século 19, com a Previdência Social. E Lord Beveridge, no Reino Unido, do Partido Liberal inglês, com o “Wellfare State”. Dois exemplos de líderes com visão estratégica.

Substituídos, enfim, por homens medíocres. Portadores de ideias toscas. Mal-acabadas. E autoritárias. Impondo um ideário incompatível com a Democracia.

A comprovação evidente de que a mediocridade é imbatível. Boçal e soberana.

A Humanidade sempre pagou – e continuará pagando – um custo bastante elevado em sua História, por conta das tolices postas em prática pelos medíocres. Bem-falantes. E pomposos.

A Alemanha paga, até hoje, o altíssimo preço da sua adesão ao Nazismo. Um sistema militarista.

O qual iria promover infindáveis conquistas territoriais. Expandido o “espaço vital” alemão.

A construção do “Reich de Mil Anos”. Proposto por um lunático que lhe prometeu o sonho da supremacia da raça ariana. Sem a mínima viabilidade histórica. O qual durou curto tempo.

Que em sua base ideológica postulava a eliminação dos judeus. O “inimigo” do Sistema. Daí o “Holocausto”. A solução final.

Um lunático perverso, insano, colocou a poderosa nação alemã de joelhos após a 2ª Guerra Mundial.

A tolerância, a omissão, enfim, a cumplicidade de uma Nação, aparentemente civilizada, com tal desvario, fez o mundo pagar em milhões de vidas humanas, perda de propriedades, direitos sociais e desorganização política.

Reconfigurando o mapa geopolítico mundial. Como isto foi possível?

Uma pergunta que só a História poderá responder.

Quando a Elite se acumplicia com a burrice, tudo pode acontecer. Até o impossível.
  
Receita neoliberal: um mundo para poucos

É quase inacreditável a forma como a teoria neoliberal nasceu e avançou em alguns países.

Uma surpresa. Considerando o grau de retrocesso implícito em seus fundamentos.

Uma tolice ideológica insustentável em sua prática. Mas habilmente sustentada por teóricos espertos. Regiamente pagos para assumir a voz do dono. Dando aparência conceitual respeitável a uma ideologia vã.

Povos e nações devem abdicar dos seus direitos sociais. À previdência. À inclusão. Às políticas ambientais. À soberania.

Em nome de uma teoria econômica que tende a dar errado. Liminarmente condenada ao fracasso.

Resultado que é sempre atribuído pelos seus formuladores e teóricos, despidos da necessária autocrítica e honestidade intelectual, à “insuficiente ou imperfeita aplicação da teoria neoliberal”.

Uma teoria que, em última análise, pretende restaurar o poder da Elite.

Antes de prosseguir, uma pergunta singela:

- Quanto tempo levará para que a ”inteligência” brasileira perceba, afinal, o que está acontecendo com o seu país?
O antropólogo David Harvey, da City University de New York, ex-professor de Harvard e da Johns Hopkins, em seu livro “O Neoliberalismo – História e Implicações”, faz uma análise bastante clara, irrefutável, do sistema neoliberal.

Na realidade uma espécie de autópsia dessa teoria equivocada.

Afirma o professor Harvey que a principal realização do Neoliberalismo é a “acumulação por espoliação”.

Traduzindo, trata-se da privatização e mercadificação de ativos, até então públicos, criando novas áreas de lucro: água, transporte, saúde, habitação, universidades, presídios.

Privatizações e cortes de gastos públicos, que sustentam o salário social. O estado neoliberal torna-se o principal agente de políticas redistributivas.

Direcionadas prioritariamente para a Elite. Sem a menor preocupação com a Justiça Social.

(A negação singela, simplista, dos postulados de Leão XIII, expressos na encíclica “Rerum Novarum”, há mais de um século. Documento que instituiu os fundamentos da Doutrina Social da Igreja).

Protegendo a Elite. Punindo a Classe Trabalhadora.

Outro ponto importante, enfatizado no livro do prof. Harvey, retoma o tema da Mercadificação: tudo pode ser tratado como mercadoria. Criando direitos de propriedade sobre processos, coisas e relações sociais. Tratados como coisas de mercado. Uma nova ética para todas as relações humanas.

Cria-se forte ataque à força de trabalho. Na prática, uma nova forma de semiescravidão.

Impõe-se a falácia dos “direitos individuais” em detrimento dos direitos coletivos, da igualdade e da justiça social.

E, finalmente, o neoliberalismo não mostra preocupação com a degradação ambiental. Somente importa o lucro.  Sem o menor cuidado com a natureza e sua preservação.

A tortuosa adesão do Brasil ao neoliberalismo - A chegada triunfal – e surpreendente - do Brasil ao regime neoliberal não foi obra fortuita.

Seria ingenuidade política atribuir a este evento, rigorosamente planejado, ao acaso. Ou aos “erros do PT”.

Sem receio de cometer injustiças ou faltar com verdade factual, podemos afirmar que o assalto ao poder Executivo, consumado definitivamente em agosto de 2016, teve o cérebro e o cofre da operação sediados em Washington. Desde os seus primórdios.

Logo após a posse do petista Luis Inácio Lula da Silva na presidência da República, em janeiro de 2003, teve início o movimento para afastá-lo do poder.

Tal como sucedeu a outros governos trabalhistas: Getúlio Vargas (1954) e João Goulart (1964).

Governos absolutamente inaceitáveis para a truculenta elite brasileira. A “causa”, como sempre, é o moralismo seletivo udenista. Codinome “corrupção”.

Nos primeiros meses do governo Lula começaram as operações desestabilizadoras. Que culminaria com o “Mensalão”, em 2005.

Quando o judiciário brasileiro passou a aceitar acusações sem provas, desde que fosse para condenar integrantes do Partido dos Trabalhadores.

Daí a inclusão da teoria do “Domínio do Fato” e a inserção de condenações baseadas na “Literatura Jurídica”, diante da falta de evidências nos autos. Claro, desde que fossem usadas para condenar petistas.

A presença da embaixadora Liliana Ayalde em 2013, representante do governo de Washington, como chefe da embaixada americana no Brasil, não despertou maiores suspeitas.

No entanto, a embaixadora Ayalde havia, anteriormente, chefiado a representação diplomática americana em Honduras e no Paraguai. Nesta ordem.

Países onde ocorreram golpes de estado “suaves”. A nova forma de intervenção de Washington nos governos avaliados como progressistas – e, portanto, contrário aos seus interesses - na América Latina.

É fácil montar a sequência cronológica do assalto ao poder.

Movimento que recrudesce em 2013; ganha impulso em 2014, com a derrota do senador Aécio Neves; e leva cerca de dois anos para atingir o seu intento.

Afinal, era preciso cumprir o ritual para dar aparência de “legalidade” à intervenção. Brutal, em seu desfecho. Conforme as orientações de Washington.

Essencial colocar “povo nas ruas”: sempre aos domingos, vestindo amarelo.

Uma classe média dócil e obediente. Mas, sempre aos domingos.

Recuando um pouco mais no tempo, há pelo menos 10 anos, intelectuais, jornalistas, escritores, políticos de diversos partidos eram cooptados para a causa neoliberal. Com argumentos irrecusáveis.

E todas as pautas foram transformadas em temas “ideológicos”. O que obrigava os apoiadores a “fechar” sem questionamentos ou relutância, com a causa.

E assim, o Neoliberalismo chegou, triunfante, ao Brasil.

Quem pensava que o impedimento da presidente Dilma Rousseff iria satisfazer a tigrada, enganou-se.

Eles queriam mais. Muito mais. Por exemplo, fazer, com a rapidez de assaltantes, o desmonte integral do país. Com o auxílio luxuoso de colaboracionistas. E do grupo ativo da “quinta coluna”.

É este o capítulo da novela que o Povo brasileiro vive agora.

Em sua maioria, alheios. Impassíveis. Com aquele ar de despreocupada indiferença: - “não tô nem aí...”

Cenários possíveis para 2017-18? Quem se atreveria? Apenas aguardamos o esperado retrocesso civilizatório.