Éden: os privilégios do paraíso na Terra
O cristão e a árvore do bem, do mal e do preconceito

Alexandre Ribondi -

A Bíblia avisa, ao longo de seu vasto texto, que as pessoas podem pecar por pensamento (Mateus), palavra (Judas) e obra (Romanos). Isso coloca o pensamento e a palavra no mesmo status que a obra e, para as escrituras sagradas, pensar e falar são também ações, o que acaba por lapidar uma Trindade que nem sempre é Santíssima.

Essas passagens das escrituras sagradas podem - e costumam ser - muito mal interpretadas e servir de base à intolerância e criar um beco sem saída. Se temos que cuidar de ações, em todas as suas formas, o que resta a fazer a não ser nos tornar estátuas de nós mesmos?

Porque, se pensamos, falamos e agimos de acordo com os nossos desejos, somos pecadores. Se não acreditamos mais no pecado, somos vítimas permanentes dos pensamentos, dos olhares silenciosos que julgam, e também das palavras dos que xingam e ofendem, e, finalmente, das obras, dos socos, porradas e golpes fatais, todos eles deferidos pelos que utilizam a Bíblia para justificar o preconceito, o abuso e o autoritarismo.

Toda fé é autoritária. A palavra heresia quer dizer exatamente “a capacidade de escolher”. Ou de pensar livremente. Ou de usar o seu corpo de acordo com a sua vontade.

Quais são as vantagens do preconceito? O preconceituoso não quer apenas seguir as regras do livro sagrado para, mais tarde, ver aberta a porta do paraíso.

Isso não basta, porque todos os crentes têm os pés plantados no chão e sabem que há muita felicidade a ser desfrutada aqui na Terra, que ainda mantém o fascínio do que foi quando era o Éden, palavra, aliás, que significa jardim. Que se tornou sinônimo de paraíso terreno, criado por Deus.

Se o preconceituoso não quer somente ter a certeza de que há um lugar reservado para ele no reino de Deus, onde não entrarão os pecadores, o que ele quer nesse imenso jardim dos vivos?

Quer o mesmo que quer no céu: um lugar reservado só para ele. Quer recompensas terrenas. Quer lucro. A história do nosso País pode ajudar a compreender isso, de certa forma. De acordo com a pesquisadora Érika Prestes, no Brasil colônia, um roubo era investigado e, em seguia, o ladrão era, em princípio, condenado e preso. Já no caso do homossexual, ou sodomita, ou quem busca o prazer pelo canal condutor traseiro, as penas eram mais severas.

O praticante do “crime nefando” era condenado, mas não só ele. Sua família também, que acabava por perder os bens. Parece que é daí que surge a expressão repetida até hoje na ira dos pais que exclamam com orgulho que preferem ter um filho ladrão do que um filho viado. Claro, ele não quer enfrentar o rigor da lei e muito menos ser desprovido de suas riquezas. Provavelmente, se o homossexual sofresse as penas sozinho o ódio seria menor.

E assim podemos ver que o preconceito se aproxima dos privilégios. O caminho que temos percorrido, ao longo dos séculos, nos mostra como usamos o preconceito para termos uma vida melhor. Os brancos excluem os negros, os homens excluem as mulheres, os nazistas excluem os judeus, os judeus excluem os palestinos. E os heterossexuais enxotam os homossexuais.

Assim, reservam e garantem seus lugares, porque os excluídos são obrigados a deixar espaços vagos para que eles, os abençoados, transitem, e trabalhem, e comam e durmam em paz. Fazem isso diminuindo a concorrência. Um homem branco heterossexual sabe que, no Éden ocidental (o original ficava para os lados do Oriente), será sempre ele o escolhido.

Mas quando os excluídos tomam a palavra e passam a ocupar o paraíso antes proibido, o preconceito contra eles se torna sanguíneo e desesperado. Os preconceituosos, na sua insegurança e na sua incapacidade de lidar com a frustração, criam novas leis, novas regras, inventam novos crimes e novos pecados. No auge do desespero, matam.

Acontece que talvez não saibam, mas, aos segregarem, ao impedirem que os outros vivam no mundo que não lhes pertence, ao pensarem no lucro e no prazer que terão sem a presença dos diferentes, são eles os pecadores.

Não porque nós, os excluídos, dizemos que eles pecam. Mas porque Deus disse no livro de Timóteo: “Nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis; pois os homens serão amantes de si mesmos, gananciosos”. E irão para o inferno.