Canadense Bruce Alexander, professor de psicologia
Pobreza de espírito na guerra contra as drogas

Alexandre Ribondi -

As drogas viciam? Sim, mas o elemento que mais produz o vício não é químico. É a vida que se leva. Essa é a conclusão a que chegou o professor de psicologia canadense, Bruce Alexander, que já lançou dois livros considerados importantes para a questão: Peaceful Measures: Canada's Way Out of the War on Drugs (Medidas Pacíficas: a saída canadense para a guerra contra as drogas) e The Globalization of Addiction: A Study in Poverty of the Spirit (A globalização do Vício: um estudo sobre a pobreza de espírito).

O conteúdo dos livros vai no caminho inverso de tudo o que pensamos sobre drogas e vícios e coloca não apenas os usuários e os traficantes em cheque, mas também os outros, que se consideram inocentes ou incapazes de lidar com a situação quando ela acontece perto deles.

Em primeiro lugar, uma situação chamou a atenção. Uma pessoa que, por exemplo, sofre um acidente e passa por um longo período de recuperação em um leito de hospital.

Para atenuar as dores, os médicos aplicam doses forte de diamorfina, que é a cocaína pura, mais potente do que a encontrada nas ruas.

Esses pacientes, ao voltarem para casa, não estão viciados e não demonstram precisar de doses contínuas de droga. Isso deveria também ocorrer com os usuários de drogas, mas não acontece.
Diferentemente disso, as ruas das cidades brasileiras (e de quase todo o mundo) vivem cheias com o que associamos com a falência da dignidade humana e da esperança.

E aí surgiu a questão: por que eles se tornam viciados e os pacientes em recuperação não?

Foi, então, feito um estudo detalhado. Com ratos, aqueles mesmos a que sempre recorremos para entender o organismo humano.

Colocado sozinho em uma jaula, o rato tinha à escolha duas fontes de água: uma pura e outra misturada com cocaína. O que aconteceu foi o que se esperava.

O animal posto em prova se tornou viciado com o tempo, passou a recusar a água pura e acabou por morrer de overdose.

Isso serviria para mostrar que as drogas matam. Mas Bruce Alexander resolveu levar o experimento mais longe. Criou o que ele chamou de Parque dos Ratos, o que era um verdadeiro paraíso para os roedores.

Esse parque oferecia canos para serem percorridos, fêmeas e machos que podiam copular à vontade e duas porções diferentes de água: uma com heroína ou cocaína, e outra pura.

O resultado foi surpreendente. Nessa situação de bem-estar e de satisfação pessoal e coletiva, os ratos não procuraram a água contaminada e os que procuraram passaram a evitá-la depois.

Nenhum deles se viciou ou morreu de overdose.

Experiências com ratos precisam ser verificadas com seres humanos. E isso foi feito nos anos 1970, no Vietnam.

Acontece que 20% dos soldados serviram de cobaia para uma experiência com heroína, o que poderia significar que os Estados Unidos teriam que lidar, mais tarde, com uma horda de ex-combatentes com medalhas no peito e com o vício no corpo.

No entanto, somente 5% deles continuaram as aplicações de drogas. O restante voltou para as famílias e esqueceu que, um dia, para suportar o horror de estar numa guerra que não era deles, num país que não conheciam, injetaram drogas no corpo. 

Por que sabe-se tão pouco sobre o psicólogo canadense, sua pesquisa e seus livros? Uma das possíveis respostas parece estar na maior pesquisa já feita, em escala global, sobre o uso e o vício em cocaína, no início da década de 1990, levada a cabo pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Foram feitas pesquisas em 21 cidades de 19 países e Bruce Alexander foi um dos pesquisadores envolvidos. Mas um representante da Assembleia Mundial de Saúde (o principal órgão decisório da OMS) conseguiu proibir a publicação dos estudos feitos, aparentemente porque os resultados pareciam contradizer o mito dominante do vício em drogas, no que diz respeito à cocaína.

Para os pesquisadores, no entanto, "o uso ocasional de cocaína não leva a problemas sociais ou físicos". Mas os fundos da pesquisa foram cortados e a publicação adiada - até hoje.

Em 2009 tornou-se disponível no Wikileaks.

O que provavelmente se quis esconder é que a solução para o uso de drogas nunca é individual em clínicas ou prisões. A solução é coletiva, o que implicaria em alterar nosso modo de vida, os valores que acreditamos importantes e a maneira de criarmos laços de afeto.

Essa perspectiva pode ter efeitos desastrosos, por exemplo, na economia. Um único complexo presidiário no estado norte-americano da Georgia tem lucro anual de US$ 50 milhões e a empresa responsável por isso chega a investir dois milhões de dólares em lobby junto ao Congresso do país.

Querem leis mais duras para que a população carcerária cresça e o lucro aumente.

Mas se uma pessoa se torna usuária de drogas pela má qualidade de vida que leva, a prisão vai certamente piorar a situação.

Porque, para o professor Alexander, o contrário de vício não é a desintoxicação. O contrário de drogas é uma receita simples, mas que tem desaparecido das nossas sociedades: conviver.

E conviver é uma empreitada demorada e árdua porque significa dialogar, perguntar, compreender e, sobretudo, amar.

E quer dizer também que não é apenas o usuário que deve mudar ou ser corrigido em prisões e clínicas.

Somos todos nós que devemos mudar. Sem lucros para governos e empresas.