Uma calçada na W3 Sul (Foto: Gioconda Caputo)
Pedestres abandonados em Brasília

Vamos por cima / Por que é que temos que entrar / Neste buraco aí?” (Liga Tripa)

Romário Schettino

Existe uma cidade onde as calçadas são as piores do mundo? Existe, Brasília. Por que? Porque aqui o poder público é incapaz de tratar esse assunto com a prioridade e a seriedade que ele exige.
 
Brasília, cidade feita para os carros, com amplos gramados, muitas árvores, frutíferas inclusive, tem seus momentos de abandono e falta de compreensão sobre o que é governar para o cidadão. Todos os poderes – Executivo. Legislativo, Judiciário – são omissos.
 
É possível andar a pé nesta cidade cantada em verso e prosa pelos arquitetos e urbanistas brasileiros e estrangeiros? Essa é a pergunta para a qual os ativistas da recém-criada Associação Andar a Pé – O Movimento da Gente buscam respostas.
 
Claro que é possível, tanto assim que muita gente faz isso, apesar das imensas dificuldades e perigos. Mas poderia ser bem melhor se os planos de mobilidade urbana deixassem de privilegiar o automóvel. (Calçadas esburacadas numa entrequadra da Asa Norte, fotografadas por Sandra Crespo)


 
A primeira atividade do Movimento Andar a Pé, realizada num domingo de dezembro, no Eixão Sul, abriu com a coleta de assinaturas para a revitalização das passagens subterrâneas que, desde que foram inauguradas, nunca serviram para o fim a que se destinam: permitir que os pedestres cruzem a rodovia de um lado para o outro.
 
Houve uma época em que, na Asa Norte, elas foram soterradas. Alegava o governo que se transformaram em abrigo para mendigos. Com esse argumento absurdo, simplista, o número de mortes na travessia era tão grande que a estrada ficou conhecida como o Eixão da Morte.
 
A incompetência, ou desleixo, dos governantes impede a busca de soluções. Os trabalhadores continuam arriscando suas vidas tanto por cima como por baixo. Assaltos, violência sexual, imundice, escuridão, todo tipo de perigo.
 
Um concurso para a revitalização das passagens foi feito pelo GDF, um projeto ganhou a concorrência, mas foi solenemente engavetado. O povo continua correndo dos carros a 80 quilômetros por hora, sem faixas de pedestre, sem semáforos e na escuridão da noite. O Eixão sempre foi mal iluminado.
 
Para contrapor à fama de Eixão da Morte, inventaram o Eixão do Lazer, que fica fechado para os carros aos domingos e feriados. Essa boa iniciativa, no entanto, não resolve o problema do dia-a-dia do cidadão que exige uma cidade humanizada.
 
Os ativistas do Movimento Andar a Pé querem calçadas dignas de uso no Plano Piloto e nas cidades, contínuas, niveladas, sem buracos. Os pedestres não deveriam ser obrigados a disputar a rua com os carros, mas ter onde andar, simplesmente, como bípede que é.

Andar a Pé é saudável, moderno e não-poluente. A redução da velocidade e do número de carros é a meta da civilização do Século XXI.
 
Para tratar bem o pedestre e dar a ele o direito de se locomover é fundamental melhorar o transporte coletivo – ônibus, metrô, VLT –, construir ciclovias inteligentes. É preciso abandonar o rodoviarismo individualista e predatório.

A propósito, veja letra da música ”Horário de Verão”, de autoria de Caloro, Aldo Justo, Sérgio Duboc, Paulo Tovar e Toninho Alves, do Grupo Liga Tripa:

Vamos por cima
Por que é que temos que entrar
Neste buraco aí?
Vamos por cima
Por que é que temos que entrar
Neste buraco aí?
Calçada marginal
Caminho de rato aberto na grama
Atropelando a faixa presidencial
Vamos pro alto
Que o tempo no asfalto
Não dá mole a ninguém
Parada obrigatória versus parada dura
Caminho de Bruno todo dia
Depois da hora normal
Parada obrigatória versus parada dura
Caminho de Bruno todo dia
Depois da hora normal.